CGU decide reexaminar demissão de professora transexual do IFCE e é acusada de transfobia

A Controladoria-Geral da União (CGU) decidiu reexaminar o processo administrativo disciplinar (PAD) que resultou na demissão da professora Emy Virginia Oliveira da Costa pelo Instituto Federal do Ceará (IFCE). A docente, que é transexual, foi demitida após a instituição concluir que ela faltou de forma injustificada por mais de 60 dias no ano de 2019.

Emy, que era professora do campus Tianguá do IFCE desde 2016, explicou que as ausências foram motivadas por um curso de doutorado que ela começou a cursar em 2019, na Universidad de la República, no Uruguai. A pós-graduação exigia que ela comparecesse em Montevidéu para ciclos de seminários que duravam em torno de quatro semanas.

Ela contou que, devido a um trâmite burocrático interno (uma autorização de transferência para outro campus do IFCE), não poderia solicitar afastamento para a realização do doutorado em outro país. Segundo ela, sua remoção para o campus de Baturité foi autorizada em 2018, mas em 2019 ela ainda continuava trabalhando em Tianguá, porque o IFCE ainda não havia oficializado a transferência. A transferência só ocorreria em 2022, por decisão da Justiça, de acordo com a professora.

Por isso, mesmo sem saber que a efetivação de sua transferência levaria quatro anos, Emy optou por outro instrumento: a antecipação de aulas no IFCE, com a concordância escrita dos alunos, para que ela pudesse se ausentar temporariamente e participar dos seminários presenciais no Uruguai.

Em seu terceiro período de ausência, em agosto, Emy contou que não só inseriu os formulários de antecipação de aulas no sistema como pediu autorização à reitoria, que demorou apenas cinco dias para aprovar a saída da professora do país para assistir aos seminários do doutorado.

Já no período de seminários de setembro, a professora adotou os mesmos procedimentos de agosto. A diferença é que, desta vez, o reitor não respondeu seu pedido de autorização de saída do país a tempo e ela teve que viajar para o Uruguai mesmo sem o documento.

As saídas do país sem autorização expressa da reitoria, em abril, junho e setembro somaram 79 dias. Assim, o IFCE abriu um PAD contra Emy. Ela foi notificada da abertura do procedimento em novembro de 2019, porém apenas em janeiro de 2024 o PAD foi concluído e decidiu-se pela demissão da professora.

Em nota divulgada em janeiro, o IFCE justificou sua decisão no fato de que, com base em documentos e testemunhos, o caso foi classificado como inassiduidade habitual e que a Lei 8.122 de 1990 é taxativa ao estabelecer a demissão como penalidade para essa conduta.

Emy explicou que, apesar de não ter protocolado os formulários no SEI, eles existem e são autênticos. “O relatório final do PAD não considera, por exemplo, que há formulários de antecipação, que, embora não tenham sido protocolados no SEI, estão com as assinaturas dos estudantes. Não foram considerados [tampouco] os depoimentos dos estudantes dizendo que as aulas foram antecipadas e que não houve nenhum prejuízo.”

Segundo ela, sua demissão é um caso de transfobia. “Se você observar, tudo isso demonstra que há uma perseguição. Há uma transfobia velada. É como se fossem garras afiadas sob luvas brancas. Essas garras não podem ser vistas. Por que considerar falta se a professora antecipou as aulas? Eu não fui a primeira a fazer isso.”

Na nota divulgada em janeiro, o IFCE afirmou que o PAD seguiu “todo o rito previsto na legislação em vigor, observados os princípios da legalidade e impessoalidade, bem como o direito ao contraditório e à ampla defesa, os quais foram amplamente garantidos à docente em questão”.

Ainda de acordo com a nota, nos últimos cinco anos, cinco servidores foram demitidos do IFCE por inassiduidade habitual. “O IFCE é uma instituição que abraça a diversidade, respeita as diferenças e trata sua comunidade de forma isonômica e respeitosa, tendo a questão da inclusão e da diversidade como política”, diz a nota.

No ofício enviado à reitoria do IFCE, o corregedor-geral da União, Ricardo Wagner de Araújo, informa que a CGU concluiu que há necessidade de reexaminar o PAD para “verificar sua regularidade e adequação da penalidade aplicada”. Este caso está se tornando um símbolo na luta pelos direitos das pessoas trans, e a atenção está voltada para a revisão do PAD e os futuros desdobramentos do caso. A demissão da professora Emy Virginia Oliveira da Costa é um claro exemplo de como as barreiras enfrentadas pelas pessoas trans vão além do preconceito, chegando a situações como esta que impactam a vida profissional e pessoal desses indivíduos.

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