A importância do tempo de qualidade: como equilibrar trabalho, relações pragmáticas e momentos com quem amamos

Reza a lenda contemporânea que o “tempo de qualidade” compensaria a falta de “tempo em quantidade”. Essa foi a solução encontrada para justificar uma vida na qual o trabalho e as relações pragmáticas ocupam quase tudo e nos resignamos a ficar longe de quem amamos. Seria só mais uma das adaptações exigidas pelas sociedades individualistas se não se tratasse do tempo, matéria da qual a vida é feita.

De acordo com essa lenda, o tempo exigido pelas relações difere a depender da sua natureza. As amizades, diferentemente do amor romântico, são aquelas relações cujos grandes lapsos de tempo não são capazes de tirar o brilho. Nelas, os intervalos podem funcionar para reconhecermos nossas transformações. Não raro, encontros com velhos amigos remetem a um passado comum que se presta tanto à melancolia quanto à retificação subjetiva. Eles nos lembram que o tempo passa e nos obrigam a encarar se passamos bem ou mal.

Já o amor é urgente, correndo sempre o risco de se apagar na prolongada ausência do amado. Intensidade, premência e tempos curtos, a paixão não espera. Tampouco sustenta aquilo que na amizade é essencial: longe dos olhos, perto do coração. A morte de um amigo promove esse surpreendente delírio, sentimos que a qualquer momento ele nos procurará, é só uma questão de tempo. No amor, por outro lado, a perda exige que sigamos procurando outros amantes. Até para fazermos jus ao amor perdido.

Com filhos a coisa se complica, pois há muitos tempos em jogo. Existem os começos, que nem sempre se dão entre pais e bebês —filhos podem chegar a qualquer momento da vida. Não há relação epistolar possível aqui, o corpo a corpo é inegociável. Trata-se de criar laços afetivos que não surgem por instinto, nem pela força da lei, nem das boas intenções. São grandes as expectativas e as ambivalências e elas colocam à prova o mais contingente dos afetos humanos: amaremos esse estranho que nos chega? É um amor que carrega a promessa de transmissão do nome, de entrada em uma linhagem, amor que nos representa narcisicamente. Esse é o tempo dos amores.

Uma vez irremediavelmente apaixonados pelos filhos, teremos que sustentar algo diferente, próprio das relações entre amigos, aquelas que se mantêm mesmo à distância. A tarefa aqui é criar um amor que assuma a iminente separação. Embora tenha parte com a amizade, é um erro acreditar que seremos amigos dos filhos “stricto sensu”. A palavra dos pais é carregada de orgulho e recriminação que não cabe entre amigos, pois temos planos mais ou menos inconfessos para o futuro dos nossos: que sejam felizes, que tenham essa ou aquela carreira, que tenham ou não descendência… enfim, expectativas foram criadas. Ainda que possamos nos sentir muito próximos e cúmplices deles com o passar dos anos, somos figuras a servirem de exemplo a ser superado.

Por fim, temos o tempo das grandes separações dos filhos, aquelas das distâncias físicas, das migrações, dos encontros esporádicos, anuais. A virtualidade cria a sensação da proximidade, mas ela não é capaz de produzir o encontro fortuito, no qual o olhar “pesca” o humor, o tom de voz.

O tempo de qualidade não é só o tempo da epifania e da brincadeira que busca compensar a privação da companhia. Ele deve incluir o mau humor, a briga, a cara amarrada, o choro, o desabafo, o tédio, o silêncio, o abraço espontâneo, o olhar cúmplice, a bobeira. O tempo só é de qualidade quando visa o íntimo e inclui na conta os desencontros, as tristezas.

O tempo de qualidade não prescinde da quantidade, pois nunca se sabe quando a vida acontecerá.

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