Ao longo de mais de 20 anos de atuação no ramo do esclarecimento público sobre questões de gramática e estilo, testemunhei o surgimento de uma geração que se apoia em redações nota mil divulgadas pelo Inep e reproduzidas em diversos sites na internet. A norma culta da língua é distorcida e transformada em construções conectivas cômico-bacharelescas, onde expressões como “outrossim, cumpre salientar” e “em primeira análise, observar-se-á” se tornam comuns.
O Inep não promove explicitamente essa tendência, mas também não a combate, deixando em aberto o caminho pelo qual o afetado gato juridiquento entra na tuba. Além disso, a competência 5, que exige dos candidatos a elaboração de propostas de intervenção respeitando os direitos humanos, acaba por induzir à hipocrisia e à falta de originalidade nas redações.
O problema se agrava quando se percebe que os jovens são forçados a solucionar problemas complexos em um contexto de preparação intensiva para o exame, que transforma o gênero dissertativo-argumentativo em uma receita de bolo. A ameaça à liberdade de expressão também se faz presente, como no caso da exigência de respeito aos direitos humanos, que pode levar os candidatos a esconder suas verdadeiras convicções para se adequar ao padrão esperado.
Nesse contexto, surge um sintoma preocupante da “esquizofrenia linguística brasileira”, onde desde cedo somos ensinados que nossa língua é errada e devemos nos adequar a uma norma imposta e distante da nossa realidade. Diante desse panorama, resta desejar boa sorte aos candidatos que enfrentarão o Enem e seus desafios linguísticos e estruturais. Que a liberdade de expressão e o pensamento crítico prevaleçam em meio a tanta padronização e artificialidade.