Um colega jornalista ficou surpreso ao constatar que um matemático como eu poderia escrever um livro “agradável de ler”. Essa concepção equivocada de que profissionais de humanidades sabem escrever enquanto os de exatas lidam apenas com cálculos é algo que tento desconstruir, afirmando que a matemática é a ciência mais humana e, ao mesmo tempo, a mais exata.
Essa dicotomia entre humanidades e exatas é uma construção recente. Na Idade Média, o conhecimento era dividido em sete artes, integrando disciplinas como gramática, retórica, música, geometria e astronomia, todas consideradas essenciais para uma formação completa. A fronteira entre matemática e literatura era permeável, como evidenciado por figuras como Omar Khayyam, Geoffrey Chaucer e Lewis Carroll, que exerciam influência tanto na área da matemática quanto na literatura.
Autores como Georges Perec usaram conceitos matemáticos para estruturar suas narrativas, condicionando o desenvolvimento da história de acordo com regras matemáticas. Por outro lado, na tradição indiana, fatos matemáticos eram frequentemente formulados na forma de poemas para facilitar a sua divulgação.
O matemático G. H. Hardy destacou a natureza criativa e estética da matemática, comparando o trabalho do matemático ao do pintor ou poeta na criação de padrões harmônicos e belos. Já a matemática Sofia Kovalevskaya enfatizou a necessidade de os matemáticos terem uma alma de poeta, buscando enxergar o que os outros não veem e explorando a profundidade dos seus trabalhos.
Assim, a presença da matemática na literatura e vice-versa revela a interconexão e complementaridade entre essas áreas do conhecimento, desafiando preconceitos e enriquecendo a compreensão da complexidade do mundo.