A história por trás do Carnaval: da tradição africana à lógica empresarial dos megablocos

Nos primórdios do Carnaval no Brasil, a autoridade máxima da República assistiu a uma apresentação que tinha como enredo “A corte de Belzebu”. Em 1911, o grupo Ameno Resedá exibiu ao presidente Hermes da Fonseca uma alegoria do inferno ilustrada por demônios, chifres, rabos e tridentes. Segundo os historiadores Luiz Antônio Simas e Fábio Fabato em “Para tudo começar na quinta-feira: o enredo dos enredos”, o presidente apreciou a experiência nas profundezas do capeta como algo mais tranquilo do que o exercício do poder federal.

Desde os primórdios da tradição do Carnaval no Brasil já se revelavam atritos e tentativas de disciplinar a festa. Os africanos e seus descendentes, responsáveis pela originalidade do Carnaval brasileiro, enfrentaram desafios para preservar suas tradições durante os festejos.

No século 18, os escravos produziam no Rio bolas de cera usadas no entrudo, uma festa europeia considerada precursora do Carnaval. O entrudo sobreviveu e foi se misturando com outras tradições, como as procissões católicas portuguesas e práticas que chegavam ao Rio principalmente do Nordeste. Os primeiros carnavais do século 20 contavam com a presença de ranchos, primeiros grupos a desfilar com mestre-sala e porta-estandarte.

A inovação do samba ocorreu nos anos 1930 com as primeiras competições entre grupos de sambistas que surgiam em morros e subúrbios de maioria negra. As escolas de samba transformaram a música do Carnaval e a geografia do Rio de Janeiro, colocando os morros e subúrbios no mapa e reforçando os laços entre os moradores.

Em 1948, em meio à Guerra Fria, as escolas de samba passaram a ser obrigadas a adotar bandeiras nacionalistas. O Carnaval crescia, e cresciam os esforços do governo para discipliná-lo. Essas intervenções fizeram com que as escolas encontrassem brechas para valorizar suas referências por meio da “gramática dos tambores”.

Na década de 1980, com a inauguração do Sambódromo da Marquês de Sapucaí, as agremiações viviam seu auge. No entanto, a elitização dos desfiles fez com que o Carnaval de rua ressurgisse, perdendo espaço para outras expressões carnavalescas em diversas cidades brasileiras.

Hoje, o Carnaval das escolas de samba cariocas perdeu parte da importância que já teve para o resto do país, mas a lógica empresarial ameaça agora também o Carnaval de rua. Megablocos têm recorrido a patrocínios e se submetido a regras rígidas, correndo o risco de elitizar-se e ser capturado por uma lógica empresarial que tire sua espontaneidade.

Dessa forma, o Carnaval, que sempre foi uma expressão cultural única e poderosa no Brasil, enfrenta desafios para manter sua autenticidade e relevância diante das mutações sociais, políticas e culturais do país.

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