Se você viesse à minha casa e mexesse na escultura do Buda, encontraria o nome da criança logo embaixo. Abaixo da Nossa Senhora, estaria a foto da criança. Logo ao lado do Daruma, que é uma figura que possui um olho apenas pintado, estaria escrito a palavra “cura”. Até as minhas senhas eram palavras de fé, mesmo com o fato de eu não acreditar em Deus até o surgimento dessa doença.
Todas as minhas práticas, como apagar velas em meu aniversário, a contagem regressiva no ano novo, jogar moedas em fontes de desejos, e até mesmo o consumo de lentilhas na virada do ano, eram todos em nome da criança que eu tanto desejava sua cura.
Embora eu mesma não tivesse muita fé, fui aprendendo a ter. Isso foi algo que ocorreu de forma forçada e necessária, já que às vezes é somente isso que nos resta em situações tão extremas. Um momento que jamais sairá da minha memória foi o dia em que comecei a compreender os mistérios mais profundos da vida. Após a visitação a uma incontável quantidade de médicos, fomos encaminhados a um médico respeitado, que sugeriu que, caso tivéssemos fé em determinadas situações, haveria a possibilidade de um médium em Mogi das Cruzes que poderia contribuir.
Fui pega de surpresa com essa sugestão, vinda de um cientista com o jaleco repleto de simbologias de um dos hospitais mais renomados do país. O médium não foi capaz de curar a nossa criança, e é necessário destacar que nenhum tipo de tratamento deve ser substituído por terapias alternativas, já que a interrupção de um tratamento médico pode ter consequências extremas. O doutor recomendou que seguíssmos com o tratamento convencional e, adicionalmente, apostássemos nossas fichas na fé, já que alguns dos seus pacientes haviam melhorado sem explicação.
Além de Mogi das Cruzes, fomos a outros lugares também. Lembro-me vividamente de um “hospital” onde a nossa criança foi submetida a um procedimento espiritual. Era uma situação peculiar, visto que tinha uma estrutura normal de um hospital, porém iluminado com luzes vermelhas e verdes, e em substituição dos equipamentos cirúrgicos, haviam orações.
Todos os acompanhantes presentes foram instruídos a fechar os olhos e visualizar a cura da criança, mas eu não consegui fazê-lo. Em vez disso, observei com atenção as pessoas vestidas de branco, todas elas em volta da maca, recitando suas orações, ponderando sobre o que eu poderia escrever a respeito disso.
Não há nada mais desolador do que testemunhar uma criança lidando com uma doença. A degeneração jamais deveria se abrigar em um corpo que deseja, acima de tudo, apenas brincar.
Felizmente, há uns poucos meses atrás, a nossa criança se curou. Embora não saibamos ao certo como, visto que a cura, por vezes, é um mistério, acreditamos que tenha sido resultado de uma intervenção médica tardia, e do desenvolvimento do órgão. Se a nossa fé foi ou não um fator contribuinte, jamais teremos a certeza, mas posso assegurar que trouxe algum alívio, o que já é algo significativo.
Neste período de virada de ano, não pedi absolutamente nada. Todas as ondas e as sete uvas foram em gratidão. Todas as moedas que joguei nas fontes foram para agradecer. Se você abrir o meu Buda, encontrará um adesivo com a palavra “obrigada”. E ao lado, um Daruma com o segundo olho alegremente pintado.