Despertar noturno: a difícil rotina da maternidade em 2023 em meio a um mundo caótico.

CUIDANDO DOS PEQUENOS: UMA NOITE NA VIDA DE UMA MÃE

Eram 3 da manhã quando ouvi o choro do mais pequeno. Corri pelas escadas consciente do risco à minha integridade física, abri a geladeira e peguei a mamadeira que já havia deixado preparada antes de ir me deitar. Corri novamente escada acima e diminuí o passo para entrar em silêncio no quarto das crianças. De nada adiantou. O bebê já chorava a plenos pulmões sentado em seu berço e, claro, já havia acordado também a irmã que me chamava para resolver a vozearia.

Em noites normais as crianças tendem a se revezar no despertar da madrugada. Uma hora uma, outra hora outra, quase nunca as duas ao mesmo tempo. Facilita também que estabelecemos, entre nós, os genitores, um acordo tácito de divisão de responsabilidades noturnas: uma criança per capita.

Mas essa noite específica eu estava sozinha com os dois. O pai havia viajado aquela manhã mesmo a trabalho. Foi embora deixando instruções de como lidar com o bebê, a criança que lhe cabe da rotina das noites. “Já deixa a mamadeira pronta na geladeira, quando ele chorar é só dar que ele mama e já volta a dormir por conta própria.”

Mas não houve ser humano, criança ou adulto que tenha conseguido dormir por conta própria nesta casa ontem. Pois é claro que, de todas as noites que poderiam fugir da regra, a insurreição tinha que acontecer justamente nesta, a primeira de cinco em que eu estaria em desvantagem numérica.

Ele não quis a mamadeira e chorou por longos minutos que eu nem sei quantos foram, enquanto a irmã ao lado observava. Quando ele finalmente adormeceu, com minha mão pesando sobre suas costas, foi a vez dela exigir sua parcela de atenção. E assim, às 4 da manhã, sentada entre as duas camas, chorei de exaustão.

A verdade é que há muitos meses eu não durmo direito, mas as turbulências noturnas dessa casa só dão conta de uma parte das minhas noites em claro. “Vá dormir cedo!”, aconselham todos os que me ouvem reclamar do cansaço constante. “Pelo menos você consegue umas horinhas de sono antes da bagunça começar.”

Eu sigo o conselho (às vezes), mas deito na cama e nada acontece. Fecho os olhos na tentativa de induzir o adormecer, mas o corpo exausto parece ter esquecido de avisar ao cérebro que é chegada a hora de encerrar o expediente.

Tento respirar fundo, prestar atenção no ar entrando e saindo das narinas. Mas nenhuma técnica de meditação dá conta de afastar o turbilhão de pensamentos que brotam quando me deito. No escuro, sem distrações, com o corpo imóvel, o cérebro parece finalmente processar tudo aquilo que não foi capaz na correria do dia.

Penso nas coisas que vi. Nas notícias aterrorizantes que estampam os jornais. Penso em hospitais bombardeados, tendo que retirar bebês prematuros de incubadoras sem energia para funcionar. Penso nos 57 graus registrados no Rio de Janeiro, nas enchentes no Sul, na seca na Amazônia. Penso no estudo que dizia que quem come mais açúcar tem maior risco de demência e lembro da barra de chocolate que comi sentada no sofá depois do jantar. Penso em morte. Mais morte. Tiroteio em escola. Tiroteio na favela. Bala perdida que sempre encontra uma vítima. Quanta morte o cérebro é capaz de assimilar sem que se anestesie? Não quero anestesia, só quero dormir. Penso no meu cabelo que há meses tem caído mais que o normal e me pergunto se tem a ver com stress, falta de sono, hormônios enlouquecidos ou uma combinação dos três. Penso no custo de vida e no dinheiro que preciso juntar para ter uma velhice digna num mundo que sei lá como vai estar. Por quantos anos ainda sou capaz de trabalhar? Será que até lá dá para juntar o que eu preciso para conseguir me virar no apocalipse?

Sim, meus filhos me acordam no meio da noite, mas o que me impede de dormir qualquer sono que preste não são eles. É o mundo.

E no meio desse vozerio que não cala, me pego pensando: quem consegue dormir em 2023? No caos em que nos encontramos, será uma boa noite de sono sinal de total alienação ou prova cabal de falta de caráter?

Me pergunto se estou apenas amargurada pelo cansaço. Talvez. A verdade é que, mais dia, menos dia, as vozes do quarto ao lado devem aquietar. Crianças crescem e ouço por aí que em algum momento elas passarão a dormir a noite toda sem que eu precise chorar no chão com a mão sobre suas costas. Resta saber se nesse dia as vozes da minha cabeça se aquietarão também e eu serei finalmente capaz de dormir por conta própria.

Artigos relacionados

Botão Voltar ao topo