Um exemplo desse tipo de violência ocorreu com uma mulher moradora da zona oeste do Rio, que foi obrigada a deixar a casa em que morava há 40 anos. A vítima relatou à polícia que foi ameaçada por milicianos em outubro do ano passado. Ela contou que os criminosos disseram para ela chamar quem quisesse, pois não adiantaria de nada. Com medo de retaliações, a mulher pediu para não ter seu nome divulgado. Segundo ela, tudo começou quando o dono de um comércio em uma favela próxima afirmou que seu marido havia doado o terreno e a casa. No entanto, a moradora alegou que isso não era verdade, já que seu marido está doente e não doaria seu único bem. Mesmo assim, os milicianos deram início às obras no terreno, forçando o casal a sair de sua propriedade.
O caso foi registrado como esbulho possessório, que ocorre quando alguém toma posse de uma propriedade de forma ilegal. Atualmente, a vítima está lutando na Justiça para reaver seu terreno. A ação dos grupos milicianos nesse setor do imobiliário não se resume a invasões e ameaças a moradores. As investigações também mostram que os criminosos têm roubado trilhos de trem para utilizá-los em suas construções irregulares. A concessionária que administra os trens, a Supervia, já registrou casos de roubos desse tipo.
Além disso, as milícias também têm impactado o meio ambiente, construindo em áreas sem licença ambiental ou que apresentam risco iminente de degradação. O Instituto Estadual do Meio Ambiente já realizou o embargo cautelar de 21 construções nessas condições nos últimos dois anos. A gestão municipal, responsável pelas licenças de obras na cidade do Rio de Janeiro, afirma que já realizou cerca de 3.000 demolições por irregularidades desde 2021.
Essa série de reportagens da Folha revela o poder das milícias no estado do Rio de Janeiro. Durante dois meses, a equipe do jornal entrevistou mais de 130 pessoas, entre moradores, comerciantes e especialistas, nas áreas dominadas pelos grupos criminosos. As matérias expõem extorsões sofridas por empresários, vassoureiros e prostitutas, além de retratar outras vítimas da milícia, como mães que perderam filhos e mulheres que ficaram viúvas de criminosos. A série também aborda a união entre milícia e tráfico e o papel dessas organizações na expulsão de moradores de suas residências.
Em meio a essa realidade preocupante, a polícia e as autoridades municipais estão intensificando as ações para combater as milícias e suas práticas ilegais. O objetivo é preservar vidas, frear o crescimento desordenado das construções irregulares, proteger o meio ambiente e asfixiar financeiramente o crime organizado. No entanto, é importante ressaltar que a luta contra as milícias é um desafio constante que exige ação conjunta das autoridades e da sociedade como um todo. A garantia da segurança e da justiça é fundamental para o desenvolvimento saudável da cidade e a qualidade de vida de seus habitantes.