Inicialmente, a ideia por trás desses bandos, que foram batizados de milícias nos anos 2000, era a de ser um contraponto ao tráfico de drogas. Porém, os abusos e crimes cometidos pelas milícias só ganharam destaque após a criação de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) na Assembleia Legislativa do Rio, que expôs suas práticas.
A história das milícias no Rio de Janeiro remonta ao ano de 1950, quando foram formados grupos de extermínio na então capital do país. O principal deles era o Grupo de Diligências Especiais, comandado pelo policial Milton Le Cocq. Contudo, após a morte de Le Cocq por pessoas ligadas ao jogo do bicho, a Escuderia Le Cocq foi formada por 12 policiais, incluindo José Guilherme Godinho, conhecido como Sivuca, que ficou conhecido pelo slogan “bandido bom é bandido morto”.
No contexto da ditadura militar, em 1967, as polícias militares estaduais passaram a ser comandadas por oficiais do Exército e foram utilizadas para combater opositores do regime. Nesse momento, ocorreu uma aliança entre integrantes do regime e do jogo do bicho, que se expandiu pela cidade.
Em 1969, a comunidade de Rio das Pedras foi formada na zona oeste do Rio. A favela surgiu a partir da desapropriação de terrenos de dez famílias pelo governo. Na década de 1980, policiais conhecidos como “polícia mineira” assumiram o controle da Associação de Moradores de Rio das Pedras, cobrando taxas pela suposta segurança e alegando ter o monopólio da violência. Essa é considerada a primeira milícia do estado, que se consolidou na década seguinte.
Ao longo dos anos, as milícias expandiram seu poder e influência, e em 2000 Jerônimo Guimarães Filho, conhecido como Jerominho, foi eleito vereador com base eleitoral em Campo Grande, o bairro mais populoso do Rio. Segundo investigações, Jerominho era o mentor da Liga da Justiça, milícia que utilizava o símbolo do Batman. Essa milícia auxiliava a milícia de Rio das Pedras com armas e homens, garantindo o controle de Campo Grande em troca. O termo “milícia” passou a ser utilizado em reportagens em 2005, e desde então políticos têm divergido sobre o apoio a esses grupos.
Em 2008, uma equipe do Jornal O Dia foi torturada na favela do Batan, zona oeste do Rio, ao se infiltrar para cobrir a atuação da milícia local. Isso levou à criação da CPI das Milícias na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro). A partir de então, a milícia passou a aceitar ex-traficantes para manter seu domínio nos territórios, chegando a expandir para a Baixada Fluminense e interior do estado.
Em 2012, foi criada a Lei 12.720/2012, que definiu o crime de Constituição de Milícia Privada, com pena de 4 a 8 anos de reclusão. No mesmo ano, Carlinhos Três Pontes, líder da Liga da Justiça, foi morto em uma operação policial, passando a liderança da milícia para seu irmão, Wellington da Silva Braga, conhecido como Ecko.
Em 2018, a vereadora Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes foram assassinados no centro do Rio, e diferentes linhas de investigação apontaram a atuação de milicianos no crime. Em 2019, Ronnie Lessa, ex-PM, foi preso como suspeito de ter realizado os disparos contra a vereadora e seu motorista.
Em 2021, Cristiano Girão, ex-chefe da milícia da Gardênia Azul e ex-vereador, tornou-se indiciado e apontado como mandante do assassinato de um ex-policial em 2008, sendo Ronnie Lessa o executor. Nesse mesmo ano, Ecko foi morto em uma ação policial e sua sucessão foi assumida por seu irmão Luís Antônio da Silva Braga, conhecido como Zinho.
No ano de 2022, com a morte de Ecko e a prisão de lideranças, o grupo passou a apresentar dissidências, buscando manter seu domínio em algumas áreas através de alianças com traficantes, um fenômeno conhecido como narcomilícia. Um exemplo disso ocorreu na Gardênia Azul, zona oeste do Rio.
Já em 2023, três médicos foram mortos a tiros em um quiosque na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio, e a polícia concluiu que os responsáveis pelos assassinatos foram milicianos da Gardênia Azul, que haviam realizado uma aliança com traficantes do Comando Vermelho. Os suspeitos confundiram uma das vítimas com um integrante da milícia de Rio das Pedras. No mesmo ano, milicianos ordenaram o ataque incendiário a 35 ônibus no Rio de Janeiro, em retaliação à morte de um líder da milícia.
A história das milícias no Rio de Janeiro é marcada por violência, abusos e crimes, levando a constantes ações da polícia e do poder público para combatê-las. Ainda que lideranças sejam presas ou mortas, novas dissidências podem surgir, evidenciando a complexidade do enfrentamento a esses grupos criminosos.