Enquanto andava pela Exhibition Road, uma rua cheia de cultura e história, a chuva começou a cair. Apertei o passo para evitar me molhar, já que não havia adquirido o hábito de carregar um guarda-chuva, mesmo após oito anos em terras britânicas. Essa falta de costume é uma prova de que ainda me mantenho fiel ao meu status de imigrante.
Enquanto caminhava, sentia uma conexão com meus compatriotas, mesmo que não nos conhecêssemos. Estávamos todos juntos naquele lugar estrangeiro, compartilhando a emoção de saber que algo grandioso estava prestes a acontecer.
Ao virar na Kensington Gore, deparei-me com uma visão impressionante. O imponente Royal Albert Hall, um local de tanta importância cultural, contrastava com os edifícios ao seu redor. Senti-me pequena diante da grandiosidade daquele lugar.
Era minha primeira vez naquele majestoso espaço, que já havia testemunhado tantas apresentações marcantes ao longo de sua história de 152 anos. Enquanto percorria os corredores, observava as fotografias que adornavam as paredes, registrando momentos memoráveis. Subi as escadas e encontrei meu assento, que ficava distante do palco. Porém, qualquer lugar no Royal Albert Hall é especial, apenas variando de melhor ou pior em relação aos outros. Lá de cima, eu podia observar todo o edifício, o teto imponente, o vão central e os camarotes ao redor. Sentei-me e observei a multidão diminuir o ritmo, encontrando seus lugares no meio do formigueiro humano.
Quando o movimento cessou e as luzes da plateia se apagaram, um feixe de luz se acendeu no palco e cinco pessoas entraram. Cada uma tomou seu lugar diante de um instrumento e, no centro, atrás do microfone, um figura alta e de cabelos brancos olhou para a plateia e disse com um sorriso: “Boa noite”.
Aquelas duas palavras foram suficientes para nos unir como uma só entidade. A sensação de não pertencimento deu lugar a um sentimento oposto. Olhei ao redor e vi cabeças brasileiras erguidas com orgulho, algo que não se vê com frequência nesta cidade. A vida longe de casa nos testa de diferentes formas. O frio intenso, a solidão, a saudade e a dificuldade de se comunicar na língua local são obstáculos que enfrentamos diariamente.
Minha mãe também foi imigrante. Ela deixou sua terra natal aos vinte e poucos anos e passou quatro décadas no Brasil. Lá ela formou uma família, trabalhou, fez amigos, mas nunca se sentiu totalmente em casa. Ela amava e reclamava do Brasil em igual medida, uma relação complexa que só entendi quando segui o caminho oposto ao dela. Agora, ela retornou ao seu país de origem e eu pude conhecê-la de uma forma que nunca havia visto antes. Minha mãe finalmente encontrou sua verdadeira casa.
Algumas pessoas me perguntam se penso em voltar para o Brasil, e por enquanto, respondo que não. Ainda possuo a curiosidade de viver longe do meu país de origem. Imagino outros destinos além deste, mas ainda não é hora de voltar para casa.
Por enquanto, sigo me curando ao reconhecer meu povo na multidão e me unindo a eles para assistir a um show de um dos maiores artistas brasileiros no palco do Royal Albert Hall. Naquela noite, Gilberto Gil nos aproximou de casa e nos deu um fio de esperança ao dizer: “Hoje me sinto como se ter ido fosse necessário para voltar”.
Quem sabe, Gil. Quem sabe um dia eu também não volte.