Como a desigualdade econômica afeta a qualidade do sono e a necessidade de medicalização: um retrato das questões estruturais.

Dormir em pé no ônibus: uma habilidade desenvolvida por muitos que passam horas a fio no transporte público. Com a mochila entre as pernas, uma mão firmemente agarrada à barra vertical de apoio e a cabeça apoiada no braço, é possível dormir profundamente, até mesmo sonhar. Compartilhando essa técnica com amigos, percebi que não estava sozinho nessa habilidade peculiar.

No entanto, recentemente descobri que além do dinheiro, os ricos têm algo mais que nós: a qualidade do sono. Pesquisas demonstraram que apenas 55% das pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza dormiam entre sete e oito horas por noite. Esse número aumenta para 66,6% entre aqueles que ganham 400% acima da linha da pobreza.

No Brasil, uma pesquisa realizada pelo Datafolha revelou que a qualidade do sono dos brasileiros está diretamente relacionada com o nível de educação e a crise econômica. Aqueles com curso superior têm um descanso melhor, enquanto a piora do sono é atribuída à crise econômica, aumento do desemprego e medo de assaltos.

O deslocamento entre casa e trabalho também é apontado como um fator que prejudica o sono da população mais pobre. Aqueles com menor renda acordam mais cedo e dormem mais tarde, o que impacta negativamente em sua eficiência no trabalho e na escola.

Além disso, a pesquisa do Datafolha mostrou que as mulheres têm mais queixas em relação à qualidade do sono, especialmente após os 60 anos. Como a qualidade do sono se deteriora com a idade, as avaliações mais positivas são encontradas na faixa etária dos 16 aos 34 anos, enquanto sono ruim ou péssimo é mais comum entre os idosos.

No entanto, os problemas relacionados ao sono não param por aí. O aquecimento global também afeta o descanso dos mais pobres. Temperaturas extremas, tanto altas quanto baixas, prejudicam o sono, e são as populações de menor renda que são mais afetadas pelas mudanças climáticas. A falta de recursos financeiros torna a instalação de ar-condicionado e aquecedores quase inacessível.

Essa situação revela mais um efeito do racismo ambiental, uma vez que as populações mais prejudicadas pela destruição do meio ambiente são aquelas que foram historicamente oprimidas pelo colonialismo. Os países ricos, responsáveis pela maior parte da emissão de gases de efeito estufa, conquistaram sua riqueza às custas da crise climática, enquanto os países pobres sofrem de forma mais intensa os efeitos dessa crise.

Em relação à pandemia de COVID-19, pesquisas mostraram que as condições sociais e econômicas têm impacto direto nos problemas relacionados ao sono. A incerteza em relação à manutenção do emprego e a diminuição da renda são fatores que afetam a saúde mental da população e podem resultar em distúrbios de sono, como a insônia.

É preocupante observar o aumento do uso de medicações para dormir desde o início da pandemia. Em 2020, a comercialização de psicofármacos aumentou 17%, com destaque para o aumento de 113% no consumo do zolpidem. A medicalização do sono pode ser uma solução temporária, mas não aborda as questões estruturais que afetam a qualidade do sono da população.

Dormir melhor é fácil quando não se tem que se preocupar com a falta de comida, com longos deslocamentos diários ou com a segurança da própria casa. Portanto, é importante questionar se a medicalização é realmente a solução para um problema tão enraizado na desigualdade social e econômica.

Por fim, é preciso destacar que este conteúdo representa uma coluna de opinião, refletindo as ideias do autor e não do veículo de comunicação.

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