No século XIX, em meio a uma sociedade escravocrata, surge uma personagem que chama a atenção pela coragem e determinação: Joanna Cassange. Apresentada em um anúncio de fuga publicado no Diário Carioca em 24 de fevereiro de 1831, Joanna era uma escrava de origem angolana que decidiu escapar do cativeiro e buscar sua liberdade.
O detalhe que torna a história de Joanna ainda mais fascinante é o cuidado que ela teve em planejar sua fuga. Além das questões logísticas envolvidas, como traçar rotas e administrar recursos escassos, Joanna priorizou também sua aparência. Ela investiu em um look impecável, com vestido branco, saia de lila nova por cima, baeta preta fina e chinelas, além de um penteado perfeito.
Essa preocupação com a estética, em um contexto de opressão e degradação imposta pela escravidão, demonstra a forma como Joanna buscava preservar sua autoestima e autocuidado. Através de seu visual elegante e sofisticado, ela transmitia uma mensagem de dignidade e resistência.
É interessante refletir sobre as motivações por trás dessa escolha estética. Será que Joanna queria se misturar às mulheres livres e forras, utilizando seu visual impecável como uma estratégia de camuflagem? Ou será que, por outro lado, sua elegância acabou chamando a atenção das autoridades e da imprensa, facilitando sua recaptura?
Para compreender essas questões, é fundamental analisar o contexto histórico em que Joanna viveu. É preciso investigar as expectativas e comportamentos impostos às mulheres negras escravizadas, livres e forras no Rio de Janeiro daquela época – capital da corte imperial. Através dessas análises, podemos reconstruir a trajetória de Joanna e entender o significado por trás de suas escolhas estéticas.
Apesar de não sabermos exatamente o que aconteceu com Joanna após a publicação do anúncio de fuga, podemos afirmar que sua história nos ensina muito mais do que simplesmente o desfecho de uma quitandeira elegante. Ao investigar documentos históricos em busca da humanidade das mulheres escravizadas, reconhecemos sua capacidade de agência e resistência. Joanna, através de sua determinação e criatividade, desafiou as convenções e mostrou que era possível mover-se com beleza e glamour mesmo diante da dor e da opressão.
A história de Joanna Cassange é apenas uma das muitas narrativas que fazem parte do projeto Mátria Brasil. Idealizado pela professora Patrícia Valim, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), o projeto busca resgatar a história de mulheres relevantes e pouco conhecidas ao longo da história do país. Semanalmente, historiadoras e historiadores de diferentes regiões brasileiras contribuem com textos que revelam o protagonismo dessas mulheres e sua luta por liberdade e igualdade.
Através dessas histórias, aprendemos a enxergar as mulheres escravizadas como verdadeiras sujeitas históricas, capazes de transformar suas próprias realidades e deixar um legado de coragem e resistência. Joanna Cassange é apenas um exemplo dessa valiosa trajetória de empoderamento feminino que precisa ser resgatada e reconhecida.