É preocupante ver juristas afirmando que apenas greves ilegítimas utilizam barricadas. Essa afirmação, embora tenha embasamento na ordem jurídica, revela-se como uma manifestação política e ideologicamente comprometida com o “status quo”. Portanto, não deve ser considerada uma autoridade docente ou jurídica.
Conforme estabelecido na Constituição, “é assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender”. Esse direito é considerado fundamental e, portanto, não se pode questionar a legitimidade de deflagrar uma greve e utilizar os meios necessários para sua defesa.
A convocação de uma assembleia por uma entidade sindical é o requisito legal para a deflagração de uma greve. No entanto, a lei prevê que, na ausência de entidade sindical, a assembleia pode ser convocada pelos próprios interessados. Além disso, o direito de greve dos estudantes é indiscutível, uma vez que a paralisação das atividades é o que define a própria greve. O Mandado de Injunção 712, relatado pelo ministro Eros Grau, estabeleceu que todos os tipos de greve são “constitucionalmente admissíveis: greves reivindicatórias, greves de solidariedade, greves políticas, greves de protesto”.
Mesmo que considerássemos que os estudantes não têm esse direito, seria necessário concluir que não existe nenhuma legislação regulando a situação. Portanto, o ato estaria amparado pelo direito à liberdade, uma vez que os contrários à greve defendem tanto esse direito. Os direitos de manifestação e defesa de direitos fundamentais não podem ser negados aos estudantes simplesmente porque são estudantes, a menos que se negue sua condição de cidadãos.
As recentes greves na USP, tanto dos estudantes como dos professores, foram precedidas pela convocação de assembleias, nas quais a decisão pela greve foi vitoriosa. Portanto, não é legítimo que aqueles que não compareceram à assembleia, ou que participaram e foram vencidos pela maioria, contestem, de forma deturpada, a legitimidade da greve, principalmente quando não fazem parte da categoria em greve. Essa manifestação não passa de um exercício arbitrário de suas próprias convicções.
É ainda mais ilegítimo tentar rotular os grevistas como radicais ou “criminosos”. Quem fere os preceitos jurídicos são aqueles que tentam invadir os locais cujas atividades foram paralisadas pela greve. A barricada é, portanto, um ato de legítima defesa, realizado por aqueles que não respeitam a deliberação coletiva e o direito fundamental de greve.
Também não é válido alegar que apenas greves “ilegítimas” recorrem a barricadas. O uso de barricadas, piquetes e outras formas de interromper o curso normal das atividades são recorrentes na história das greves. A greve não visa garantir a normalidade, mas sim interrompê-la e colocá-la em debate, trazendo a perspectiva dos prejudicados por ela.
Nas greves da USP, o objetivo é alcançar comprometimento em torno de políticas efetivas para melhorar as condições de trabalho e ensino, por meio de contratação de mais professores e maiores investimentos públicos na permanência estudantil, uma vez que muitos estudantes dependem dela, especialmente após a implementação das cotas.
Portanto, afirmar que a greve é prejudicial aos próprios estudantes é desviar completamente da realidade. Além disso, é um argumento ilegítimo, pois, como destacado anteriormente, é a assembleia dos interessados que decide sobre a oportunidade da greve e os representa.
É importante questionar essas formulações de cunho liberal que desconsideram a importância da greve no contexto democrático e nos direitos humanos. É necessário reconhecer e respeitar o direito de greve como um instrumento legítimo de luta por melhores condições de trabalho e direitos fundamentais.