Com mais de 50 anos de existência, o Minhocão continua sendo o centro das atenções em São Paulo. Sua estrutura dividiu a cidade ao meio, gerando desvalorização e abandono ao redor, e as discussões sobre o que fazer com o elevado sempre estão presentes. Agora, surgiu mais uma proposta controversa: a construção de um túnel.
Andar no Minhocão aos finais de semana é uma atividade adorada por muitos, incluindo eu mesmo. Proporciona uma vista incomum e tranquila da cidade, longe do barulho e da poluição dos carros. O problema é que, além da parte de cima, existem os problemas na parte de baixo do elevado, que são preocupantes e não apresentam perspectivas de melhoras enquanto a estrutura estiver ali.
Recentemente, decidi fazer uma caminhada debaixo do elevado em um dia útil, percorrendo desde a praça Roosevelt até o largo Padre Péricles. Apesar de já ter passado por alguns trechos diversas vezes, a experiência de ver todo o percurso de ponta a ponta é desoladora em termos sensoriais. E, contraditoriamente, essa experiência põe em evidência as possibilidades de uma pequena revolução urbana.
A sombra eterna do viaduto é apenas uma das questões que compõem esse ambiente desfavorável. Umidade, cheiro, barulho, sensação de insegurança, fechamento de negócios, calçadas estreitas, barracas, fumaça – todos esses problemas se somam no trajeto entre a Roosevelt e o Arouche. Lojas fechadas com portas de aço, pichações e calçadas estreitas são a realidade da região. No largo Santa Cecília, praças são cortadas ao meio e barracas tomam conta do canteiro central. A estação de metrô Santa Cecília despeja pessoas nas calçadas, criando filas e congestionamento. Embora haja um aumento no movimento comercial com a presença de consumidores, algumas lojas ainda têm dificuldades em se estabelecer. O barulho de ônibus ecoa pelo concreto e impede conversas, enquanto pedestres tentam atravessar a rua.
No entanto, é paradoxal que ao percorrer as ruas comuns, percebemos que o patrimônio da região poderia ser resgatado se não houvesse o manto de concreto do Minhocão. É possível imaginar um caminho arborizado ligando a praça Marechal Deodoro, o largo do Arouche e o largo Santa Cecília. Com a retirada do terminal de ônibus, seria possível requalificar o espaço, aumentar as calçadas e adicionar áreas verdes. A implementação de VLTs e ônibus elétricos também poderiam ser soluções interessantes. No entanto, para isso acontecer, será necessário um bom diagnóstico da situação, projetos bem elaborados, arquitetos e urbanistas inspirados, participação popular e, acima de tudo, uma liderança com visão de cidade.
Enquanto a discussão sobre o futuro do Minhocão continua, vale ressaltar que a desativação do elevado para carros até 2029 é uma realidade. A proposta de transformá-lo em um parque está em pauta, mas ainda existe a possibilidade de demolição. A prefeitura anunciou que o Plano de Intervenção Urbana será instalado, mesmo após anos de atrasos e disputas judiciais. O prazo dado deveria ser suficiente para que as gestões encontrem soluções para o Minhocão, sem que isso represente um ônus eleitoral significativo.
Esse processo de mudanças será o momento de discutir planos estratégicos para o trânsito, habitações sociais, aluguel subsidiado para os moradores atuais, comércio, pessoas em situação de rua e a reurbanização da região. Além disso, será o momento de lançar projetos que possam derrubar a estrutura do elevado, ou preservar partes dele, ou até mesmo diminuir sua largura para permitir a entrada de luz na região.
No entanto, o debate pode piorar se não houver uma visão de cidade adequada. A ideia recente da prefeitura de construir um túnel para substituir o trânsito no Minhocão é completamente descabida. Parece que essa proposta foi lançada apenas para manter um apelo eleitoral para os motoristas. Estudos divulgados já mostraram que o tempo de viagem não seria significativamente afetado com a desativação do elevado.
Um exemplo positivo que podemos citar é o viaduto Cheonggyecheon em Seul, que foi demolido nos anos 90. O ex-prefeito Mung-Bak Lee justificou a demolição com uma frase simples: “Vejo uma cidade para as pessoas e não para os carros”. Após inúmeras visitas e reuniões, um projeto foi estabelecido e o viaduto veio abaixo em 2005. O tráfego e a cidade sobreviveram.
No caso do Minhocão, entretanto, a falta de uma visão de cidade adequada pode apenas adicionar mais problemas. Ao invés de combater ou amenizar o monstro de concreto que destrói o centro da cidade, corremos o risco de ter dois problemas: um viaduto em cima e um túnel embaixo. E no meio disso tudo, o impacto destrutivo do Minhocão.
Esperamos que a discussão sobre o futuro do Minhocão seja conduzida de forma inteligente e pensando no bem-estar de todos os cidadãos. A cidade de São Paulo merece uma solução que valorize o espaço urbano e traga melhorias para a vida de seus habitantes.