A situação se agravou ainda mais depois que um bilhete ofensivo foi deixado na porta da igreja São Miguel Arcanjo, onde o padre Júlio Lancellotti, de 74 anos, é conhecido por sua militância em defesa da população em situação de rua. O religioso é frequentemente hostilizado na vizinhança e muitos críticos o responsabilizam pela suposta degradação do bairro de classe média.
A preocupação dos moradores e comerciantes da região é de que a Mooca se torne uma nova “cracolândia”, em referência à concentração de dependentes químicos na região central de São Paulo. Desde que as ações do poder público para reprimir o tráfico e o consumo de drogas nessa área se intensificaram, o fluxo de usuários de drogas começou a se deslocar para outras regiões, como a Mooca, gerando conflitos com os proprietários e locatários de imóveis.
Essa tensão resultou em uma série de incidentes, incluindo furtos e vandalismo. Alguns comerciantes alegam que criminosos infiltrados entre os atendidos pelas obras sociais lideradas por Lancellotti são responsáveis por esses delitos. Um boato falso de que um albergue para moradores de rua seria instalado na região também alimentou o medo e a indignação, gerando até mesmo um abaixo-assinado contra o suposto equipamento.
De acordo com o Censo da População em Situação de Rua de 2021, realizado pela prefeitura, existem atualmente 5.811 pessoas em situação de rua ou em abrigos na Subprefeitura da Mooca, o que representa quase 20% do total da cidade. Alguns moradores afirmam ter deixado a região central da cidade para escapar da violência praticada por policiais e seguranças privados.
A região da Mooca, próxima aos distritos de Belém e Brás, tem uma grande concentração de pessoas em situação de rua. Barracas e cabanas improvisadas com materiais como madeira, tecido e plástico são vistas ao longo das ruas. Essa área tem sido apelidada de “cracolândia da Mooca”. Além disso, a especulação imobiliária na região, com a construção de vários prédios residenciais, acirra ainda mais as hostilidades contra essas pessoas sem moradia.
A atuação do padre Júlio Lancellotti é vista de forma controversa na comunidade. Alguns moradores têm uma visão positiva do seu trabalho social, enquanto outros o criticam, associando-o a partidos de esquerda e acusando-o de promover uma agenda política. O padre tem sido vítima de ameaças e ataques por conta de sua atuação em defesa dos moradores de rua.
A violência e a hostilidade contra as pessoas em situação de rua na região da Mooca revelam um problema social profundo e a omissão das autoridades públicas. A população em situação de rua é alvo de discriminação e falta de proteção adequada por parte do poder público. A situação exige uma política pública efetiva que combata a violência e a marginalização dessas pessoas.
As autoridades municipais e estaduais afirmam estar investigando as agressões contra a população de rua e alegam estar tomando medidas para evitar conflitos e punir os responsáveis. No entanto, especialistas destacam que é necessário mais do que isso. Pablo Almada, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP, ressalta que conteúdos distribuídos nas redes sociais podem incentivar comportamentos violentos e a tensão contra os moradores de rua.
A população de São Paulo também compartilha dessa preocupação. Uma pesquisa recente realizada pelo Datafolha mostrou que metade dos paulistanos acredita que há “cracolândias” em seus bairros. Esse medo é alimentado pelo desconhecimento e pelos preconceitos enraizados na sociedade.
Diante desse cenário, especialistas e defensores dos direitos humanos destacam a necessidade de políticas públicas eficazes que garantam a proteção e a inclusão social das pessoas em situação de rua. É fundamental combater a discriminação e o discurso de ódio, promovendo a conscientização e a empatia em relação a essa parcela marginalizada da população.