A análise psicanalítica e a busca pela separação como caminho para o autoconhecimento

Analisando os sofrimentos da vida cotidiana, é comum atribuí-los aos outros: ao chefe tirano, aos filhos ingratos, ao/à “conje/a” indiferente e aos familiares malvados. Buscamos a cumplicidade de um analista para validar nossa análise e confirmar que nossos problemas são causados por essas pessoas. No entanto, Freud questionava desde o início qual era a responsabilidade do reclamante em seu próprio sofrimento. Essa “insensibilidade” por parte do pai da psicanálise poderia levar o paciente a abandonar o consultório em protesto. Mas, com o tempo, eles retornavam e buscavam saber mais sobre o que inicialmente não queriam saber. O analista entendia que o objetivo da análise era outro, visando a separação.

De acordo com Lacan, as três paixões humanas são o amor, o ódio e a ignorância. Aqueles que se dispõem a descobrir qual é a sua parcela de culpa em seu próprio sofrimento enfrentam a tarefa ética de encarar sua ignorância a cada sessão. Essa abordagem psicanalítica muitas vezes é confundida com frieza, pois assume o sintoma com dignidade, reconhecendo-o como a forma mais legítima que o paciente encontrou para lidar com seu inconsciente, que permanece infantil. Não há lugar para sentimentalismos ou imposturas. No entanto, isso não significa que a clínica psicanalítica seja desprovida de humor. Rir daquilo que antes era motivo de desespero não é incomum. Afinal, aquele que não recua diante de si mesmo perde o medo da destruição. Fantasmas expostos à luz revelam-se como lençóis mal-ajambrados.

No contexto de análise de casais, é fundamental distinguir a separação do divórcio. O divórcio se refere ao aspecto social, burocrático e material do relacionamento. Mesmo sem envolver papéis e documentações, é de se imaginar que escovas de dentes deixarão de coabitar. Porém, a separação ocorre em outros níveis, dentro e fora dos divórcios, até mesmo dentro e fora do mundo dos vivos. Quem nunca conheceu um viúvo ou uma viúva que parecia estar igualmente casado(a) com o(a) parceiro(a) falecido(a)?

Separar-se é retomar o que é seu, tanto o bom quanto o ruim. Por isso, Freud afirmava que os lutos mais difíceis são aqueles que revelam relações ambivalentes, pois o ódio depositado no outro retorna para nós mesmos. Divórcios nem sempre implicam verdadeiras separações, como é o caso de ex-casais que continuam se odiando por décadas ou que permanecem em um limbo do qual ninguém consegue sair completamente para estabelecer novos relacionamentos. No entanto, não é apenas a perda do relacionamento em si que causa sofrimento. Relações afetivas trazem consigo outras relações – amigos, familiares, filhos, enteados – além de um status financeiro e social. É preciso tempo para lidar com tanto luto, que varia de acordo com os afetos envolvidos em cada objeto investido.

No filme “A Pior Pessoa do Mundo”, dirigido por Joachim Trier e lançado em 2022, a protagonista Julie busca encontrar seu lugar no mundo através de sua carreira, seus amores e sua maternidade. No entanto, é na separação do desejo do outro que ela tem a chance de se aproximar de algo próprio. Nesse sentido, o reconhecimento da separação definitiva, que só é possível no vislumbre da morte do outro, continua sendo o melhor conselheiro.

A psicanálise compreende que somos internamente divididos, pois aquilo que é mais próprio a nós é justamente aquilo que mais tentamos desconhecer. Através do amor e da análise, buscamos escapar do divórcio de nós mesmos.

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