Documentário dos Racionais MC’s revela São Paulo e a desigualdade em seu cerne. Imperdível para compreender a realidade da cidade.

No documentário “Racionais, das ruas de São Paulo pro mundo”, disponível na Netflix, somos apresentados a uma história impactante que vai além da música e do sucesso alcançado pelo grupo Racionais MC’s. O filme nos leva a compreender um pouco da realidade da periferia de São Paulo e como ela influenciou a trajetória dos integrantes do grupo.

A origem dos Racionais MC’s é marcada pelo improvável encontro entre a zona Norte e a zona Sul da cidade, que ocorreu em um clube de rap localizado na Brigadeiro Luis Antonio, no centro de São Paulo. Nas décadas de 1980, o largo São Bento era um ponto de encontro para os amantes do hip hop, e foi nesse cenário que se uniram as duplas da Vila Mazzei, formada por Edi Rock e KL Jay, e do Capão Redondo, composta por Mano Brown e Ice Blue, para formar os Racionais.

A realidade do Capão Redondo na década de 1970 era caracterizada pela violência e precariedade. Os integrantes do grupo conviviam com ruas de terra, mato, cadáveres jogados em campos de futebol após execuções e um acesso difícil ao centro da cidade, que levava cerca de uma hora e meia de ônibus.

No centro de São Paulo, o contraste era evidente. O fascínio estava nas luzes, vitrines, cabelos negros, tênis, lojas de discos, Galeria do Rock e Avenida Paulista. Ir ao centro representava uma experiência similar a visitar Nova York.

No documentário, a periferia é retratada predominantemente em tons de cinza, com cenas que mostram presídios, ruínas, cimento e um mar de casas. O contraste surge nos momentos de alívio, como nos bares, rodas de samba e à beira da represa Guarapiranga, onde é possível encontrar árvores e água.

Os depoimentos são contundentes e diretos, assim como a direção de Juliana Vicente, que aproveita cada cena de forma precisa. A linguagem é áspera e enfática, com o humor aparecendo esporadicamente como uma surpresa, quase como uma flor em meio ao concreto. A ironia fica em segundo plano diante da raiva, que se torna um motor potente para o filme, a música e os shows.

O inimigo do grupo é “o sistema”, que pode representar políticos, policiais ou playboys, mas o racismo é considerado o principal vilão. Os integrantes do Racionais carregam consigo uma consciência explícita sobre o papel que desempenham diante da falta de oportunidades e da injustiça. Sua música se tornou um instrumento de transformação de mentes e, talvez, tenha contribuído para que jovens negros da periferia conquistassem mais espaço e sonhassem mais alto.

No documentário, também são abordadas outras facetas do empoderamento, como o progresso material e algumas melhorias urbanas, como a chegada do metrô ao Capão. Porém, não há um final feliz à vista. Os integrantes do grupo reconhecem que estar vivo hoje é quase um milagre.

Para sobreviver em um ambiente hostil, o documentário mostra que a música e as relações são âncoras fundamentais. As mães dos integrantes dos Racionais desempenham papéis essenciais, oferecendo carinho e acolhimento em meio à violência. Nas cenas rápidas, vemos aniversários, bolos e crianças, que podem estar mais ou menos presentes, mas estão sempre presentes na vida do grupo.

Os integrantes do Racionais envelhecem, questionam suas escolhas e trajetórias, mas não há espaço para lamentações. Em um podcast no Spotify, Mano Brown discute sobre racismo, violência e também conversa sobre arte, educação e crescimento pessoal.

Em 2018, o disco clássico do grupo, “Sobrevivendo No Inferno”, foi transformado em um livro e incluso na lista de obras obrigatórias para o vestibular da Unicamp. O grupo comemorou, afirmando que era a periferia invadindo a academia.

O documentário “Racionais, das ruas de São Paulo pro mundo” é um retrato impactante e comovente da realidade da periferia de São Paulo e da trajetória do grupo Racionais MC’s, que conquistou um espaço na música e no imaginário de milhões de fãs ao redor do mundo. Ao assistir ao filme, somos levados a refletir sobre as desigualdades sociais e raciais presentes na sociedade brasileira e a importância da música como forma de expressão e resistência.

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