Joanna Cassange, escrava em uma propriedade no centro do Rio de Janeiro, era originária de Angola, como sugerido pelo seu sobrenome. Sua decisão de escapar do cativeiro levou seu proprietário a oferecer “alviçarias” para quem a capturasse. Mas o que chama a atenção é a forma como Joanna planejou sua fuga, levando em consideração não apenas os aspectos práticos, como itinerários e recursos, mas também a aparência física.
Descobrimos através de um anúncio publicado no Diário Carioca em 1831 que Joanna fugiu vestindo um “vestido branco e saia de lila nova por cima, e baeta preta nova fina”, além de calçar chinelas e ter um cabelo muito bem penteado. Esses detalhes revelam a importância que Joanna atribuiu à sua aparência como parte do plano de fuga.
A partir dessas informações, é possível entrar na mente de Joanna e entender como as mulheres escravizadas usavam a criatividade para construir seus próprios sentidos de humanidade. Mesmo nas condições degradantes da escravidão, Joanna manteve sua autoestima e autocuidado em dia, destacando-se pelos seus figurinos impecáveis e pelos pés calçados, símbolo da liberdade negra.
A pergunta que surge é se o cuidado com a aparência de Joanna era uma estratégia para se misturar com as mulheres negras livres e forras do século 19, ou se acabou chamando a atenção das autoridades e imprensa, facilitando sua recaptura. Para responder a essa pergunta, devemos examinar o contexto histórico e social da época, entender as expectativas e comportamentos esperados para as mulheres escravas, livres e forras no Rio de Janeiro.
É importante reconhecer que Joanna criou uma imagem transgressora de requinte e elegância, que confundiu autoridades e elites, em prol de seus projetos e sonhos relacionados à liberdade. Embora não saibamos o que aconteceu com ela, o fato de podermos escrever sua história a partir de um simples anúncio de fuga demonstra a importância de questionar os documentos históricos em busca da humanidade das mulheres escravas.
Essa valorização da autoestima e do autocuidado revela algo mais profundo do que apenas o destino de Joanna. Buscar entender a criatividade, coragem e beleza com as quais essas mulheres se moviam além da dor é uma forma de reconhecer seu protagonismo e posicioná-las como sujeitas, indo além da história única de subalternidade.
A história de Joanna Cassange nos mostra a importância de resgatar as histórias das mulheres ao longo da história do Brasil. O projeto Mátria Brasil, idealizado pela professora Patrícia Valim, apresenta mulheres pouco conhecidas e relevantes, desde a invasão portuguesa até os dias de hoje. Escutando as vozes silenciadas do passado, podemos construir uma narrativa mais inclusiva e empoderadora.