Daí a sensação de coisa já vista com o anúncio de que a COP29 vai acontecer em Baku, capital do Azerbaijão —onde a indústria do petróleo e do gás natural gera quase metade do PIB e corresponde a mais de 90% das exportações. Além disso, a cúpula vai ser presidida por Mukhtar Babayev, que trabalhou por 26 anos na estatal petroleira Socar. Repete-se a polêmica.
A questão, para parte dos ambientalistas, é que a produção de petróleo é a principal fonte de emissões de gases de efeito estufa, causadores da crise climática, que é o problema que a cúpula da ONU se propõe a resolver. Deixar que a indústria do petróleo presida as conversas gera incômodos.
Apesar dessas coincidências, o contexto do Azerbaijão é diferente do dos Emirados, inclusive porque a extração de petróleo ali é bem mais antiga. Já no século 19 havia poços no que é hoje o Azerbaijão, enquanto nos Emirados a descoberta das reservas comerciais veio só nos anos 1950.
Sem tradição de participar ativamente das negociações climáticas, o Azerbaijão está entre as dez economias mais dependentes de petróleo. A dependência é ainda maior do que a dos Emirados Árabes, segundo análise da iniciativa Carbon Tracker.
O Azerbaijão também é membro da Opep+, grupo expandido da Organização dos Países Exportadores de Petróleo, ao qual o Brasil aderiu recentemente.
Localizado no sul do Cáucaso, o país tem a maior parte da população muçulmana. Esse território, outrora parte de um império persa, integrou a União Soviética de 1922 a 1991, período em que desempenhou um papel central no suprimento de energia a Moscou.
Além do aspecto ambiental, outra questão que deve gerar debate neste ano é o perfil autoritário do país —liderado há 20 anos por Ilham Aliyev, que substituiu o próprio pai. Segundo a organização Human Rights Watch, o governo mantinha ao menos 20 dissidentes políticos na prisão em 2022. Também há controle da imprensa. Nesse sentido, a coincidência é com o anfitrião da cúpula do clima de 2022, o Egito, outro país autoritário.
A chefia da COP
Na comparação com a COP de Dubai, há, ainda, uma importante diferença quanto à figura do presidente da cúpula. A COP28 foi presidida por Sultan al-Jaber, que em paralelo chefiava a Adnoc, a petroleira estatal. Chegou a haver denúncias na imprensa de que a firma planejava usar o evento para negociar contratos de combustíveis fósseis.
Jaber também atua como ministro da Indústria e Tecnologia dos Emirados, bem como seu enviado climático.
Já Babayev é hoje ministro de Ecologia e Recursos Naturais do Azerbaijão. Segue incômodo o fato de que trabalhou por mais de duas décadas na Socar —mas ali ele operou por um tempo curto como vice-presidente para assuntos de ecologia, o que agora serve de credencial.
Segundo relatos da imprensa, Babayev passou três anos na Socar trabalhando na remediação dos solos contaminados por mais de um século de extração de petróleo, além de ter participado de outras conferências do clima.
A expectativa, com base em declarações dadas no passado, é de que Babayev atue em duas frentes. Seguiria insistindo na mitigação e na correção do dano causado pela exploração do combustível, mas sem deixar de desenvolver a indústria que, afinal, está na base da economia. Contudo, por ora, essas são conjecturas. Em um país sem liberdade de imprensa, há ainda pouca informação sobre Babayev e o seu histórico.
Xadrez diplomático
Ouvido pela reportagem em novembro por ocasião da cúpula em Dubai, Matthew Paterson, especialista em política climática na Universidade de Manchester, disse que entendia as críticas dos ambientalistas quanto à escolha de um país ligado ao petróleo e de um presidente atrelado à petroleira estatal —o caso também deste ano. Afirmou também, porém, que o processo de decisão é complexo e depende de questões políticas e logísticas.
A ONU não interfere na nomeação do presidente das cúpulas e há um revezamento entre as regiões do mundo para definir quem sediará as COPs do clima. Geralmente, os países-sede são confirmados com dois anos de antecedência, permitindo que se preparem para custear o evento e conduzir os trabalhos, mas o suspense sobre o anfitrião da COP29 se estendeu até o final do ano passado, por conta dos conflitos na região do leste europeu.
A Rússia havia afirmado que vetaria a candidatura de qualquer país da União Europeia, como resposta às sanções do bloco feitas por conta da guerra contra a Ucrânia. O Azerbaijão, que não faz parte do bloco, também vivia um contexto de guerra contra a Armênia —mas os dois países começaram a chegar a um entendimento em dezembro, possibilitando que Baku fosse aprovada como sede.
Em todo caso, o Brasil, que deve abrigar a COP30, em Belém (PA), é outro integrante da lista dos maiores produtores de petróleo do mundo. Assim, é provável que o debate acerca do peso dos interesses dos combustíveis fósseis nas negociações se repita em 2025. Para tirar a indústria do petróleo do centro da conversa do clima, seria necessário repensar o formato da cúpula, algo que ativistas já defendem.