Congresso aprova mudança no Decreto-Lei 236/1967 permitindo maior concentração de concessões de rádio e TV

Congresso aprova mudanças que podem ampliar a concentração na radiodifusão brasileira
Por Helena Martins*

Recentemente, o Congresso Nacional aprovou, de forma repentina e sem qualquer debate público ou discussão entre os parlamentares, mudanças no Decreto-Lei 236/1967, que permitirão a ampliação do número de outorgas de rádio ou TV por sociedades de qualquer natureza jurídica, inclusive a unipessoal. O texto aprovado possibilita que cada entidade tenha concessão ou permissão para executar serviço de radiodifusão em todo o país, com limites ampliados para até vinte estações de rádio e vinte de TV.

De acordo com o projeto de lei aprovado, apresentado pelo deputado Marcos Pereira, do Republicanos de São Paulo e da Igreja Universal, essa mudança agora aguarda a sanção presidencial. No entanto, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda tem a possibilidade de vetar essa proposta, o que poderia evitar que a radiodifusão brasileira se torne ainda mais nociva à democracia.

Essas mudanças representam um afrouxamento das regras estabelecidas em 1963, que limitavam o número de emissoras de TV em todo o país, bem como emissoras de rádio em abrangência local. Além disso, a concentração midiática também é limitada pela Constituição Federal de 1988, que proíbe o monopólio ou oligopólio nos veículos de comunicação.

No Brasil, a concentração na radiodifusão é um problema significativo para a democracia, já que a mídia é controlada por poucos grupos econômicos privados, que muitas vezes a utilizam para promover seus próprios interesses. Isso resulta na criminalização dos movimentos sociais, no silenciamento de diversas expressões culturais e na circulação limitada de informações e produção local, tanto de jornalismo quanto de entretenimento.

Apesar de países com tradição liberal, como os Estados Unidos, imporem limites à concentração da propriedade de mídia, no Brasil é o contrário. A concentração tornou-se a norma, com três emissoras de TV controlando grande parte da audiência: Globo – 31%; Record – 13% e SBT – 11%. Isso é resultado de uma série de transformações, como a digitalização e o surgimento de novas emissoras e da Internet. Essa dispersão da audiência não elimina o problema da concentração, uma vez que as principais emissoras ainda possuem audiências expressivas.

O governo Temer autorizou transferências indiretas sem anuência do Poder Executivo, o que facilitou ainda mais a presença de grupos religiosos na radiodifusão. Além disso, no governo Bolsonaro, esses grupos receberam mais verba publicitária e garantiram a concessão de várias TVs abertas digitais.

A aprovação dessas mudanças no Congresso revela a falta de preocupação do governo federal com a democratização da comunicação, apesar do impacto significativo que a radiodifusão tem na formação de opinião. A ausência de debates e a rápida tramitação do projeto contrastam com a lentidão em efetivar medidas para democratizar a comunicação, propostas desde a Conferência Nacional de Comunicação em 2009.

A regulação da mídia continua sendo fundamental para avançar na democracia no Brasil, pois a visão de mundo dos brasileiros ainda é fortemente influenciada pela radiodifusão. O campo progressista precisa entender a importância dessa batalha ideológica, que passa pelos meios de comunicação, e lutar pela efetivação das medidas de democratização.

Portanto, a mudança aprovada pelo Congresso é um equívoco que pode resultar em consequências políticas danosas, e a possível sanção presidencial deve ser analisada com cautela, considerando o impacto que terá na democratização da mídia no país.

* Helena Martins é professora da Universidade Federal do Ceará, editora da Revista EPTIC, integrante do Grupo de Trabalho GT Economía política de la información, la comunicación y la cultura da Clacso e integra o DiraCom – Direito à Comunicação e Democracia. Foi relatora do Grupo de Trabalho Comunicações da transição do governo federal (2022).

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