Outro aspecto que demonstra a perpetuação de privilégios dos militares envolvidos em crimes durante a ditadura é a prisão de Punta Peuco, na região metropolitana de Santiago. Essa prisão foi construída especificamente para abrigar agentes do regime condenados e abriga atualmente cerca de 120 detentos. No entanto, diferentemente das prisões comuns do país, a prisão de Punta Peuco oferece diversas regalias aos detidos, como apartamentos com cozinha, sala e banheiro, quadra de tênis e jardins. Essa discrepância tem levantado discussões sobre o fechamento da prisão e a transferência dos detentos para prisões comuns.
Além disso, os militares também se beneficiam de aposentadorias especiais concedidas pelo governo chileno. Essas aposentadorias possuem um valor médio de “quinze a vinte vezes maior” do que a aposentadoria dos chilenos civis. Vale ressaltar que o sistema de aposentadoria do Chile foi privatizado durante a ditadura, o que gerou um baixo valor de recebimento para os idosos e tem sido um dos principais fatores de insatisfação social no país.
Outro ponto que revela a persistência do pinochetismo no Chile é a presença de políticos e empresários comprometidos com os ideais de Pinochet. Partidos como a União Democrática Independente (UDI) e o Partido Republicano, liderado por José Antonio Kast, que chegou ao segundo turno das eleições de 2021, representam a continuidade dessas ideologias de extrema direita.
No entanto, a justiça de transição no Chile apresenta deficiências preocupantes, como a falta de esclarecimento sobre o destino das pessoas que desapareceram durante a ditadura. Embora o presidente Gabriel Boric tenha anunciado que o Estado buscará a verdade sobre essas vítimas, a iniciativa tem sido considerada tardia e insuficiente. Além disso, a indenização às vítimas e seus familiares ainda é um ponto deficitário no país, incluindo os camponeses que perderam suas terras durante a contrarreforma agrária realizada na ditadura.
Por fim, o Chile também enfrenta a necessidade de enfrentar a violência estatal mais recente, ocorrida durante o “estallido social”. Nesse contexto, houve uma massiva violação de direitos humanos, com mortos, mais de três mil feridos e milhares de prisões questionadas pelas organizações sociais. A justiça de transição também é necessária para abordar essas violações e buscar a responsabilização dos envolvidos.
Em resumo, o Chile ainda convive com várias pontas soltas de sua história recente. A Constituição, a prisão privilegiada, as aposentadorias especiais e a presença de políticos e empresários comprometidos com o pinochetismo revelam a persistência dos resquícios da ditadura no país. Além disso, a deficiência na identificação do destino das vítimas e a falta de indenização adequada são questões que demandam ações efetivas do Estado chileno. Por fim, a violência estatal mais recente também precisa ser abordada e reparada pela justiça de transição. É imprescindível que o Chile continue se esforçando para romper definitivamente com esse passado ditatorial e promover uma sociedade mais justa e democrática.