A extinção dos terrenos marinhos significa, segundo Patrícia, privatizar mais de 550 mil imóveis federais, com valor que supera R$193 bilhões, com relevante função pública e socioambiental. “[Essa função pública é voltada] para o enfrentamento da crise climática em razão do aumento do nível do mar, para a proteção dos povos e comunidades de pescadores, caiçaras, ribeirinhos e quilombolas que preservam a nossa biodiversidade, assim como para a implantação de projetos de infraestrutura como a portuária, marítima e fluvial e para a segurança e defesa nacional”, pontua. Bernardes não vê com otimismo a proteção ao meio-ambiente. Para ele, a PEC também pode resultar numa piora da fiscalização dos terrenos de marinha, geralmente insatisfatória. “Com essa PEC, há uma abertura para construções nessa faixa que abrange ecossistemas como a própria faixa de areia, manguezais, áreas de restinga. A questão é que terá uma maior dificuldade de fiscalização, já que esse território é muito disperso e extenso. A própria fiscalização hoje já não funciona adequadamente, imagina sem a participação da União, sem a presença dos órgãos federais”, alerta. A preocupação com a preservação da natureza nas áreas litorâneas também é compartilhada por Moretti. “Nós sabemos que nesses locais é onde temos os maiores índices de biodiversidade, desde fauna, flora, populações tradicionais e indígenas. Muitas áreas que sequer estão nos projetos urbanísticos são valorizadas, registradas, mas já foram ocupadas tradicionalmente. Vai ser um caos se essa PEC for aprovada. Os impactos ambientais serão avassaladores. E a própria comunidade científica não está sendo ouvida sobre essa proposta. Envolveram os municípios, mas não estão envolvendo o conjunto dos atores sociais que orbitam no assunto. O Congresso tem a obrigação de discutir seriamente”. Pacheco pontua outro aspecto preocupante com a aprovação da PEC: o direito de ir e vir das pessoas. “As praias são bens de uso comum do povo, o lazer e o trabalho das comunidades estão sob ameaça com essa proposta. A população como um todo será prejudicada com o acesso limitado a essas áreas, tão emblemáticas para a nossa cultura e tradição”, destaca. Além do aspecto ambiental e do direito de acesso, a privatização das praias pode impactar diretamente na economia das comunidades costeiras, como alerta o caiçara Bernardes. “Temos localidades inteiras cuja economia depende do turismo. Imagina como vai ser com praias privatizadas? É inacreditável o quanto isso vai afetar a economia. Claro que essa discussão não está sendo feita no contexto das paragens para impedir as pessoas de frequentarem essas áreas, mas o acesso será seletivo. Quem tem dinheiro pode pagar para entrar”. A proposta ainda gera preocupações em relação à participação das comunidades no processo de decisão sobre o futuro dessas áreas, como destaca Patrícia. “Com as comunidades tradicionais é que estão as práticas sustentáveis de uso do território e de territorialidade costeira e marítima, saberes em relação à pesca e outros recursos, afetos, e uma cultura litorânea que se desenvolve historicamente. Ou seja, a conservação delas está atrelada a manutenção da vida e recursos naturais, se não estiverem presentes as vozes e direitos dessas comunidades, sem dúvidas o modelo de desenvolvimento privilegiará outros interesses em detrimento da garantia do bem-estar social e ambiental”. A expectativa agora é que essa proposta de emenda constitucional seja amplamente debatida pelos legisladores, sobretudo levando em consideração as vozes das comunidades tradicionais, pesquisadores e ativistas que alertam para os riscos socioambientais que a possível aprovação da PEC pode trazer. A análise e conscientização acerca dos impactos que a medida pode gerar na economia, na cultura e no meio ambiente ao longo dos quase 7.500 quilômetros da nossa rica costa brasileira é crucial para assegurar que as futuras gerações possam desfrutar das belezas naturais das praias, ilhas, mangues e demais áreas de marinha.
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