Apoio brasileiro ao golpe militar no Chile completa 50 anos: documentos revelam papel na destruição da democracia

Há exatamente 50 anos, no fatídico dia em que o ditador Augusto Pinochet derrubou a democracia mais longa da América Latina, o Brasil se tornou o primeiro país a reconhecer o novo regime militar chileno. Milhares de civis foram despejados no Estádio Nacional de Santiago, que se transformou em um centro de prisioneiros, enquanto o governo do presidente Emílio Garrastazu Médici enviava uma missão, comandada pelo Sistema Nacional de Informações (SNI), para auxiliar nos interrogatórios.

Enquanto notícias de torturas e execuções se espalhavam pelo mundo, os diplomatas brasileiros se tornaram os principais defensores da nova ditadura tanto em fóruns internacionais quanto em negociações bilaterais. O Brasil, rapidamente, se destacou ao tentar evitar a bancarrota do Chile, oferecendo um crédito subsidiado de US$ 1,8 bilhão. Além disso, tornou-se o segundo maior fornecedor de armas para o país e treinou dezenas de agentes da polícia secreta de Pinochet em território brasileiro.

Cinco décadas depois, documentos anteriormente secretos do Brasil, do Chile e dos Estados Unidos revelam como a ditadura brasileira, junto com o governo de Richard Nixon, foi o principal apoio externo à destruição da democracia no Chile. Esse passado sombrio ainda assombra os dois países, perpetuado pela injustiça dos desaparecidos chilenos e brasileiros e pelo revisionismo histórico que intoxica as duas democracias.

Agora, cabe ao Brasil reconhecer sua responsabilidade no apoio ao golpe contra Salvador Allende e ao regime de terror que se seguiu. Esse capítulo vergonhoso da política externa brasileira começou três anos antes do golpe, com a eleição de Allende. Desde o início do governo, o Brasil estabeleceu canais secretos com militares conspiradores, liderou uma campanha diplomática para isolar o Chile, preparou-se para apoiar a oposição em uma guerra civil e protegeu terroristas de extrema-direita.

Os principais jornais brasileiros também defendiam uma intervenção militar no Chile, assim como fizeram em 1964 no Brasil. Setores empresariais brasileiros, como a Confederação Nacional das Indústrias (CNI), apoiaram os grêmios patronais chilenos, temendo que a queda de João Goulart no Brasil se repetisse no Chile. E, de fato, isso aconteceu.

No momento do golpe, a espionagem americana, a repressão brasileira e membros da junta chilena recém-criada faziam referência ao “modelo brasileiro”. O Brasil era visto como um exemplo de regime militar anticomunista, enraizado no campo do Ocidente na Guerra Fria, capaz de obliterar a ameaça da esquerda e colocar o país nos trilhos do progresso. A ditadura brasileira fornecia um exemplo e apoio político, econômico e material ao Chile.

Atualmente, o governo brasileiro tem a oportunidade de usar seu poder em defesa da democracia. A colocação de uma placa com os nomes dos brasileiros assassinados no golpe chileno diante da embaixada brasileira em Santiago foi um primeiro gesto, mas é preciso muito mais. Os ministros da Justiça e dos Direitos Humanos, Flávio Dino e Silvio Almeida, terão a chance de reconhecer o papel do Estado brasileiro na tragédia chilena e disponibilizar os documentos da ditadura brasileira sobre ações no Chile e no Cone Sul.

Ao mostrar que não tem medo de seu passado, o Brasil assumirá um protagonismo regional nessa questão e aumentará a pressão para que outros países, como os Estados Unidos, também revelem seus arquivos sobre a ditadura chilena. Meio século nos separa do golpe chileno, mas a maneira como lidamos com essa história tem consequências reais para nossas democracias hoje.

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