O levantamento, obtido com exclusividade pelo jornal Folha de S.Paulo, também aponta que em 42,4% dos casos os acordos foram utilizados para crimes que não levariam o réu à prisão. Os delitos mais comuns incluem violações do Código de Trânsito e do Estatuto do Desarmamento.
Essa modalidade de acordo permite que réus primários confessem crimes com pena mínima inferior a quatro anos e evitem a prisão. A oferta é feita pelo Ministério Público e o acusado recebe uma medida alternativa, como o pagamento de multa ou a realização de serviços comunitários.
O estudo, que será apresentado nesta sexta-feira (15) em Brasília, foi conduzido pelo CNJ em parceria com a Universidade Federal de Pernambuco, a Secretaria Nacional de Políticas Penais e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).
Foram analisados 946 processos de janeiro a junho de 2021, representando um universo de 1.295 acordos celebrados nas Justiças Federal e Estaduais de todas as regiões do país. Além disso, o estudo coletou impressões de membros do Judiciário e do Ministério Público sobre as alternativas penais e as regras para a aplicação dos acordos.
De acordo com Luís Lanfredi, juiz auxiliar da presidência do CNJ e coordenador do Departamento de Monitoração e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas, o uso desse dispositivo tem se tornado mais comum no país, mas ainda é limitado a casos em que já havia negociação de penas alternativas. Ele destaca a necessidade de uniformização de procedimentos e garantia de que os acordos sejam uma alternativa penal efetiva, diferente do encarceramento.
A pesquisa aponta para a falta de formação adequada dos juízes sobre o acordo e para as lacunas deixadas pelo pacote anticrime, como a falta de definição do local de negociação (atualmente ocorre nas sedes dos Ministérios Públicos e varas criminais) e a forma de realização dos acordos, sejam eles orais ou por e-mail.
A prestação pecuniária aparece como a medida mais comum nos acordos, representando 37,1% dos casos analisados, e é seguida pela prestação de serviço comunitário (29,18%) e pela renúncia voluntária a bens e direitos propiciados pelo crime (10,78%).
A falta de equipes multidisciplinares para acompanhar a prestação de serviços comunitários foi identificada como um desafio, sendo apontada em 38,5% das respostas de integrantes das Justiças estaduais e em 83,9% da Justiça Federal.
A pesquisa também destaca a relação entre baixa renda e o sistema carcerário brasileiro. Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública mostram que a maior parcela dos presos com informação sobre renda recebe de um a dois salários mínimos.
A falta de análise da capacidade do réu de cumprir o pagamento da prestação pecuniária é uma das distorções apontadas pela juíza federal Carolina Malta, que atua na Seção Judiciária de Pernambuco. Ela destaca a falta de possibilidade de negociação das prestações por parte do acusado, o que coloca a pessoa em uma posição de aceitar mesmo sem ter condições de pagamento.
Por outro lado, o procurador da República Aldo Costa vê no acordo uma forma de preservar a culpa e reprimir crimes, já que ele pode ser adaptado de acordo com a gravidade do delito e a capacidade financeira dos envolvidos.
No entanto, Costa defende a padronização do destino e do uso dos valores arrecadados, sugerindo que eles sejam destinados a entidades públicas ou de interesse social, que tenham a função de proteger bens jurídicos similares aos lesados pelo delito em questão.
Ele também destaca a importância da publicidade dos valores arrecadados para garantir maior controle externo das negociações e sujeitar os órgãos de justiça a padrões semelhantes ao analisar casos comparáveis.
Em conclusão, a pesquisa do CNJ revela questões importantes sobre os acordos de não persecução penal no Brasil, demonstrando a necessidade de uniformização de procedimentos, maior formação dos juízes e definição clara das regras para a aplicação dessas alternativas penais. Além disso, o estudo levanta discussões sobre a efetividade desses acordos, a falta de acompanhamento adequado de medidas como a prestação de serviços e a destinação dos valores arrecadados. A pesquisa pode contribuir para o aprimoramento desse instrumento jurídico e o desenvolvimento de políticas mais eficazes no sistema penal brasileiro.