Repórter São Paulo – SP – Brasil

Desde 2007, 101 crianças foram brutalmente assassinadas por tiros no Rio de Janeiro, uma realidade insuportável que compartilho com a mãe da Eloah.

Nos últimos dias, mais um caso de uma criança morta por uma bala perdida durante uma operação policial chocou a todos. Eloah da Silva Santos, de apenas 5 anos, foi vítima desse triste episódio. E para Vanessa Francisco Sales, moradora do Complexo do Alemão, na zona norte carioca, esse tipo de tragédia não é desconhecido.

Há quase quatro anos, Vanessa viveu a mesma dor ao perder sua filha Ágatha Vitória Sales Félix, de 8 anos. Um tiro disparado por um policial militar contra “suspeitos” tirou a vida da pequena Ágatha. Desde então, Vanessa lida diariamente com as lembranças dolorosas desse trágico acontecimento.

Moradora do Complexo do Alemão, Vanessa optou por retornar à sua casa, mesmo após o período de afastamento que se seguiu à morte de sua filha. Para ela, sua vida é marcada pelas lembranças da tragédia: “Minha filha se foi. Ela morava comigo, uma criança. Ali se passou tudo com ela, naquele local. Ninguém quer voltar, ninguém quer viver aquilo. Porque vai ter lembranças, tem lembranças, sempre existirão lembranças. Em todo momento… Neste momento, tenho lembranças. Então, assim, a minha vida serão lembranças.”

Eloah e Ágatha fazem parte de uma estatística aterrorizante. Desde 2007, 101 crianças e adolescentes de zero a 14 anos foram assassinados no Rio de Janeiro, segundo a ONG Rio de Paz. Muitos deles foram vítimas de balas perdidas em ações policiais, confrontos com criminosos ou disputas entre bandidos. Em 2023, já foram registradas 11 vítimas nessa faixa etária no estado, contra quatro em 2022.

O caso de Ágatha ficou impune até hoje. A polícia alegou que o tiro foi um revide contra criminosos, mas testemunhas negaram a existência de troca de tiros. Investigações da Polícia Civil apontaram que o policial teria confundido uma barra de alumínio com um fuzil e atirado contra o “traficante”. Diante desse cenário, Vanessa evita lembrar detalhes do dia da morte de sua filha para poder continuar vivendo.

No entanto, ela não consegue ignorar as circunstâncias semelhantes em outros casos de crianças baleadas. “Eu sempre vou lembrar. Não tem como isso apagar da minha vida. Infelizmente, a cena se repete com o passar dos dias, com o passar do tempo. Infelizmente, está acontecendo. Enquanto não houver, enquanto não tiver políticas públicas inteligentes, isso não vai acabar”, afirma Vanessa.

Antônio Carlos Costa, fundador da ONG Rio de Paz, afirma que a sociedade brasileira se omite diante dessas mortes, especialmente por acontecerem em comunidades pobres. Para Costa, a sociedade deseja uma polícia truculenta e vê as mortes de crianças como “efeitos colaterais” de uma guerra à criminalidade. Ele questiona o histórico da polícia brasileira envolvida em casos com mortes de crianças e destaca a necessidade de uma profunda reforma na polícia.

Enquanto não houver uma pressão da sociedade e dos meios de comunicação, esse cenário de violência e impunidade continuará. É preciso políticas públicas eficientes, programas sociais e uma reforma na polícia para que vidas inocentes como a de Eloah e Ágatha não sejam mais perdidas para a violência.

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