Antonio Tejero, oficial de polícia, liderou uma tentativa de golpe de Estado na Espanha em 1981. À frente de 150 policiais armados, ele tomou o Congresso e manteve os deputados como reféns por 22 horas. Já o general Maurice Challe liderou um golpe contra o governo de Charles de Gaulle, em Argel, em 1961, onde mil paraquedistas tomaram o controle da cidade e incitaram uma rebelião militar na França. Comparar esses líderes a figuras insignificantes do 8/1 é um contraste evidente.
A justiça exemplar era comumente utilizada por poderes fracos do passado que não conseguiam garantir a ordem mínima e, por isso, emitiam sentenças bárbaras com o intuito de dissuadir potenciais criminosos. Situações como a amputação de mãos no Sudão, sob o argumento da lei islâmica, demonstram como essa postura violenta perdura até hoje.
Além disso, a justiça exemplar sempre foi um instrumento dos poderes em cruzadas ideológicas. A Inquisição, por exemplo, queimava bruxas em praça pública para ensinar ao povo a origem do pecado e a importância da obediência à Igreja. A acusação de adultério seguida de açoitamento em praça pública na província de Aceh, na Indonésia, através da sharia, também ilustra esse tipo de justiça. O regime teocrático do Irã é outro exemplo, executando ativistas em público como forma de reprimir protestos pelos direitos das mulheres. Nesse sentido, o STF não faz companhia agradável.
O episódio do 8/1 foi uma tentativa frustrada de golpe de Estado, onde vândalos depredaram palácios e, de fato, devem pagar por seus crimes. No entanto, os juízes supremos fogem da obrigação de caracterizar e descrever o papel e a participação de cada indivíduo no golpe. Ao condenar soldados rasos com penas de líderes insurrecionais, o STF viola a lei e transforma questões criminais em discurso político. A mensagem de rigor máximo contra o golpismo é, na verdade, um truque de ilusionismo.
Aécio Pereira, o primeiro condenado a receber 17 anos de prisão, estava mergulhado em delírios, acreditando na conspiração dos reptilianos e imaginando Hillary Clinton como um holograma. O STF, que busca aplicar uma justiça exemplar, ainda não iniciou o julgamento dos financiadores e organizadores diretos do vandalismo em Brasília. As invasões do 8/1 são o ápice ou anticlímax da paisagem construída por Jair Bolsonaro durante seus quatro anos de governo. É injusto distribuir penas longas para figuras insignificantes sem sequer indiciar o autor intelectual do golpe.
No mundo democrático, a justiça moderna foca-se no infrator e nas circunstâncias do delito, utilizando a proporcionalidade para definir as sentenças. A justiça exemplar, por outro lado, ignora o réu e busca apenas o efeito pedagógico das penas, reduzindo os cidadãos à condição de crianças.
O STF comete um duplo erro ao conduzir julgamentos performáticos. Primeiramente, erra juridicamente ao se guiar pelo objetivo político de produzir condenações exemplares. Em segundo lugar, erra politicamente, pois suas penas desproporcionais fornecem ao bolsonarismo um argumento verossímil de perseguição judicial. No final das contas, o STF falha em cumprir seu dever de colocar o chefe do golpe no banco dos réus, não apenas por suas travessuras indecentes com joias sauditas, mas por seu envolvimento em um ato golpista.