Os números alarmantes apresentados pela CNM são um alerta vermelho para as finanças municipais, indicando um cenário preocupante nas cidades brasileiras. Segundo o estudo, 51% dos 4.616 municípios que disponibilizaram informações no sistema integrado do Tesouro Nacional tiveram déficit primário no primeiro semestre de 2023, um aumento significativo em relação aos 7% no mesmo período do ano anterior. Em São Paulo, 260 municípios gastaram mais do que arrecadaram, o que equivale a 47% das cidades que enviaram informações, em comparação com os 6% no ano anterior.
As razões para este quadro preocupante são diversas. Quedas significativas em receitas importantes, como o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e o Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), juntamente com atrasos em emendas parlamentares federais, são destacados pelo estudo da CNM. Além disso, as despesas com pessoal, custeio e investimentos aumentaram.
O Fundo de Participação dos Municípios, principal fonte de receita para a maioria das cidades do país, registrou crescimento no primeiro semestre, porém já estão surgindo preocupações devido à queda em julho e agosto, causada pelo aumento das restituições e diminuição do Imposto de Renda. O ICMS também tem sido um fator de pressão, com uma queda de cerca de 4,5% em todo o país desde o ano passado, chegando a 6% no Estado de São Paulo. Nas cidades paulistas, essa redução é agravada pela diminuição das emendas de custeio no primeiro semestre de 2023 em comparação com o ano anterior.
As despesas com pessoal também estão em alta em São Paulo, e essa situação pode piorar com a possível inclusão dos gastos com pessoal das Organizações Sociais (OS) nos limites de gasto de pessoal. Isso poderia levar à ultrapassagem dos limites de gastos, resultando na rejeição de contas, multas e inelegibilidade dos prefeitos. Essa questão levanta sérias preocupações quanto à oferta de serviços públicos, já que a CNM revela que a maioria dos municípios não teria condições financeiras nem servidores suficientes para atender às demandas.
Outro fator preocupante são os reajustes concedidos com base nos pisos salariais do magistério e na parcela adicional (insalubridade e encargos) dos agentes comunitários de saúde e de endemias. O piso do magistério teve um aumento de 53% devido aos reajustes concedidos em 2022 e 2023, o que pode comprometer quase R$ 50 bilhões dos municípios até o final do ano.
Na área da saúde, os municípios enfrentam um enorme represamento de cirurgias e procedimentos ambulatoriais, para os quais seriam necessários R$ 17,3 bilhões para solucionar o problema. Na assistência social, o governo federal deixou de repassar ao longo dos anos de 2014 a 2022 o valor de R$ 7,6 bilhões para o Sistema Único de Assistência Social (Suas), um valor que, corrigido pela inflação, chega a R$ 9 bilhões.
Além disso, mais de 5 mil obras públicas encontram-se paradas ou abandonadas devido à falta de recursos da União em todo o país. Os municípios que conseguiram concluir essas obras tiveram que arcar com mais de R$ 7 bilhões de recursos próprios e agora aguardam ansiosamente pelo repasse federal. A defasagem em mais de 200 programas federais chega a 100%. O contingenciamento no orçamento-geral da União em 2023 é de R$ 3,3 bilhões, e os atrasos nos repasses dos royalties minerais e de petróleo só agravam a crise.
Diante deste cenário preocupante, uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) já em tramitação visa ampliar o volume de recursos destinados ao Fundo de Participação dos Municípios (FPM), o que pode injetar R$ 11,1 bilhões adicionais nos cofres municipais. Além disso, o Projeto de Lei Complementar 94/2023 prevê a compensação de perdas no ICMS, o que pode significar um envio de recursos financeiros aos municípios na ordem de mais de R$ 6,5 bilhões.
Os municípios também aguardam há uma década recursos de royalties, desde a aprovação da Lei 12.734/2012, que reformulou a distribuição das receitas de royalties e participação especial de petróleo. A aprovação do julgamento em plenário da ADI 4.917 poderia significar um repasse de R$ 93 bilhões aos municípios através do Fundo Especial de Petróleo (FEP), distribuído via FPM.
Apesar disso, a CNM ressalta que o baixo crescimento da receita de transferências pode melhorar no segundo semestre de 2023, devido à liberação das emendas impositivas e ao aumento das alíquotas modais do ICMS. Ainda assim, é necessário o esforço coordenado entre os governos federal, estaduais e municipais para evitar um agravamento da situação e garantir a continuidade dos serviços essenciais para a população.