Através de suas palavras, Cecília desenha um mundo precioso, ressaltando os aspectos mais importantes da paisagem. A ilustração de Beatriz Garcia, presente na capa do livro, nos instiga a descobrir qual é o bicho que nos olha nos olhos. Essa descoberta começa logo no primeiro conto, intitulado “A mãe verde”, onde somos confrontados com as primeiras finitudes presentes no livro.
Cecília costura as palavras de forma a criarem um tecido palpável, que ganha vida e se transforma de acordo com a necessidade de sobrevivência. Ao longo das 86 páginas do livro, a morte é um tema recorrente, mas sem a pretensão de ser um livro sobre luto. A obra trata essencialmente da vida em seu estado mais puro, carregando consigo fragmentos generosos de morte. Afinal, nada é tão vivo que não possa morrer.
Nas palavras de Cecília, a morte atravessa a vida cotidiana de forma honesta, sem medo ou tabu. Em contos como “Cerol na Galinha”, a autora denuncia a violência das periferias e favelas brasileiras, transmitindo essa realidade através dos olhos de um menino. Suas palavras cortam como cerol, sem rodeios ou metáforas desnecessárias.
No momento em que recebi o livro em minha casa, lembrei-me dos medos compartilhados por Cecília durante o processo de escrita. Escrever é doloroso, mas ao mesmo tempo traz vida às palavras. Como afirmou Roland Barthes, quando uma história é contada, a voz do autor perde sua origem e a escrita começa.
A morte é uma revolução, uma comoção que desloca nossa perspectiva e nos faz enxergar o mundo de maneira diferente. E é através da literatura que Cecília imortaliza esses momentos de finitude, tornando-os presentes e reais. No livro “Jiboia”, ela trata a morte como parte intrínseca da vida, mostrando que ela está presente em cada pequena morte que enfrentamos.
Ao conhecer a autora e jornalista Cecília Garcia, tive a oportunidade de compreender como a finitude se manifesta em diferentes momentos do cotidiano. Esse diálogo me fez refletir sobre a importância de trazer o tema da morte para o dia a dia, sem medo ou tabu. Afinal, entender a efemeridade da vida nos ajuda a valorizá-la e a vivê-la de forma mais plena.
Quem estiver no Rio de Janeiro no próximo sábado (16) poderá conhecer a autora pessoalmente na Livraria Janela, no Jardim Botânico. E para aqueles que desejam conhecer sua obra, é possível adquirir um exemplar no site da Aboio.
Conversando com Cecília, pude compreender a importância da escrita em sua vida. Desde os 11 ou 12 anos, ela já sentia a necessidade de contar histórias e criar mundos através das palavras. Para ela, escrever é um modo de existir neste mundo, de dar forma às suas emoções e de explorar novos territórios.
O livro “Jiboia” é uma obra que trata da finitude em suas diversas formas, seja a finitude das pessoas, das situações, dos lugares ou até mesmo do próprio mundo. Para Cecília, esses temas são intrínsecos à sua visão de vida. Ela busca mostrar a proximidade do fim e a luz que surge em meio a ele, fazendo-nos refletir sobre a fragilidade e a beleza da existência.
Em meio ao processo de escrita de “Jiboia”, Cecília enfrentou seu próprio luto, com a morte de seu pai. A vida e a morte se entrelaçaram de forma cíclica, ensinando-a que cada morte é uma revolução. As pequenas mortes presentes em seu livro geram transformações, sejam elas micro ou macro. E como ela mesma afirmou, “nenhum de nós sabe o que é isso, nenhum de nós tem o músculo do coração preparado para o mistério”.
Recebi recentemente essa obra e foi emocionante vê-la nascer. Durante o processo de escrita, Cecília compartilhou medos e preocupações comigo. Escrever é um ato que envolve nascer e morrer várias vezes. Mas diante da inevitabilidade da morte, Cecília decidiu abraçá-la e fazer literatura sobre ela. E é assim que ela se mantém presente, dentro da dor, da luz e do nascimento.
O livro “Jiboia” é uma obra que nos leva a refletir sobre a finitude que permeia nossa existência. É um convite a encarar a morte de frente e a fazer literatura a respeito dela. Cecília Garcia nos mostra que a morte está presente em nossas vidas de diferentes formas e que é importante compreendê-la e valorizar cada momento precioso que temos. Com sua escrita cortante e profunda, ela nos convida a enxergar a vida em sua gênese e a enfrentar os medos e as incertezas que a morte traz consigo.