Repórter São Paulo – SP – Brasil

Recordações vivas: a relação entre luto e lugares esquecidos em um texto emocionante sobre a casa da infância e as memórias perdidas.

Esta madrugada, tive um sonho marcante que me transportou de volta para a casa em que vivi dos 20 aos 24 anos. Um sobrado localizado na Mateus Grou, em uma vila entre as ruas Cardeal e Teodoro. Ao despertar, a residência ainda estava viva em minha memória, repleta de detalhes que pareciam saltar do passado para o presente.

Caminhei mentalmente pelo portão elétrico com defeito, avistei o jornal envolto no plástico amarelo sobre a calçada, percorri cada cômodo pisando nos tacos soltos do piso, ouvi o rangido da gaveta das meias, senti o cheiro úmido do local onde ficavam as malas e até revivi, brevemente, o momento de um término doloroso em 2001. A figura de Manuela, a responsável por esse desfecho, ainda pairava na minha lembrança.

Os sonhos, em geral, são experiências particulares e muitas vezes incompreensíveis para quem não os vivenciou. Entretanto, essa experiência onírica despertou em mim uma reflexão interessante: enquanto temos rituais e formas estabelecidas de lidar com o luto pela perda de entes queridos, pouco se fala sobre a despedida de lugares significativos em nossas vidas.

Celebramos datas festivas, honramos os mortos em feriados nacionais, como o 9 de julho em São Paulo, que rememora os heróis de 1932. No entanto, a frieza com que deixamos para trás os lugares que habitamos ao longo da vida contrasta com a importância que atribuímos aos momentos e pessoas que nos marcaram.

A nostalgia, em muitos casos, é vista como um sentimento banal, uma manipulação barata das emoções. Recordar os tempos da faculdade, as festas de família ou os momentos felizes de outrora pode parecer uma fuga da realidade presente. No entanto, os lugares que habitamos deixam marcas indeléveis em nossa memória e em nossa identidade.

Seria interessante, talvez, reservar um espaço em cada casa que habitamos para reverenciar os lugares que nos moldaram. Uma forma de honrar nossas raízes e reconhecer a influência que esses espaços exercem sobre nós. Enquanto observo o apartamento vazio após a última mudança, percebo que as lembranças e histórias ali vividas são um tesouro particular, parte integrante da minha jornada pessoal.

Portanto, assim como dedicamos tempo para lembrar dos que partiram, deveríamos também reservar um espaço em nossa memória e em nossos corações para os lugares que um dia chamamos de lar. E assim, ao deixar a chave com o zelador e encerrar mais um ciclo, agradeço por todas as memórias que carrego comigo, fruto das casas que um dia habitamos.

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