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Família de líder quilombola assassinada por tiros processará ONG Educafro por uso indevido de nome e ação civil pública.

Família de líder quilombola assassinada ingressa na Justiça para contestar ação da ONG Educafro

A família de Bernadete Pacífico, líder quilombola assassinada em agosto, ingressará na Justiça na próxima semana contra a ONG Educafro. Segundo herdeiros da sacerdotisa, eles não foram consultados pela organização sobre uma ação civil pública que cobra, do estado da Bahia, uma indenização de R$143 mil por danos morais coletivos causados pelo assassinato de Mãe Bernadete. À Justiça, pedirão sua impugnação.

No entendimento desses familiares, a ONG buscou tirar proveito da morte da líder quilombola e da comoção gerada pelo caso. Eles pontuam, ainda, que a Educafro está ligada a uma instituição eclesiástica controlada pela ordem franciscana, que atentaria contra a identidade de religiões afro-brasileiras. “A comunidade tem toda razão ao sentir-se ofendida pelo uso do nome de Mãe Bernadete por uma instituição católica”, afirma o advogado Hédio Silva Jr., que defende os interesses da família e do Instituto Mãe Bernadete Pacífico, que será criado para preservar a memória da sacerdotisa.

O escritório de Silva Jr. foi contratado recentemente pelo físico nuclear Jurandir Patrocínio, único filho vivo de Mãe Bernardete e atual responsável pela comunidade quilombola em Simões Filho, na Bahia. É ele também quem cuida dos três filhos de seu irmão, Flávio Gabriel Pacífico dos Santos, o Binho do Quilombo, assassinado em 2017. Um dos líderes quilombolas mais respeitados da Bahia, Binho defendia a titulação do Quilombo Pitanga dos Palmares.

Em 2021, a Educafro participou da negociação do Termo de Ajustamento de Conduta milionário com o Carrefour após um homem negro ser morto por asfixia em uma unidade da rede. Segundo a ONG, a indenização por dano coletivo racial no valor de R$ 115 milhões é a maior da América Latina. Para Silva Jr., no entanto, o pagamento teria resultado “em migalhas para familiares” da vítima e, por outro lado, em “milhões” para a ordem franciscana e para “ávidos comitês antirracistas e advogados”. “Tudo isso sob o pretexto altruístico de financiar bolsas de estudos para jovens negros e carentes”, aponta.

Procurado pela coluna, o fundador e diretor-executivo da Educafro, frei David Santos, diz que a família de Mãe Bernadete tem todo o direito de ir à Justiça por seus direitos e contará com apoio irrestrito da ONG se assim o fizer. O pároco nega que a organização busque qualquer proveito econômico sobre a morte da sacerdotisa. Ele pontua que a atuação da Educafro se dá no âmbito de direitos difusos e coletivos, de modo a buscar mudanças em políticas públicas de segurança para que casos como o dela jamais se repitam.

Sobre o termo de ajustamento de conduta fechado com o Carrefour, o diretor-executivo diz que os valores recebidos pela família de João Alberto Freitas, que foi morto por asfixia, “são uma questão privada, resguardada por cláusulas de confidencialidade, decisão essa tomada pela própria família”. E afirma que “não procedem as informações de que foram recebidas apenas ‘migalhas.'”

Neste contexto, a família de Mãe Bernadete busca reivindicar a propriedade do nome da sacerdotisa e preservar a memória da líder quilombola. Ao mesmo tempo, a Educafro defende que não busca substituir ou suplantar os direitos dos familiares das vítimas, mas, sim, ampliar a luta para que toda a coletividade negra e quilombola seja reconhecida e ressarcida pelos danos sofridos em decorrência de atos de racismo estrutural.

Como resultado disso, existem dois lados da história que buscam promover justiça de formas diferentes. A Educafro defende que a indenização obtida com o Carrefour foi conseguida em consonância com o papel de defesa dos direitos humanos e com a luta antirracista, sempre em consonância com os valores cristãos de amor ao próximo e de justiça social.

Enquanto a família de Mãe Bernadete busca a reparação diante de uma morte trágica e a preservação da memória de sua enteada. Ambos lados, no entanto, se expressam dispostos ao diálogo para esclarecer quaisquer mal-entendidos e fortalecer sua missão comum de combater o racismo e promover a igualdade.

Como São Francisco de Assis, que se dedicou aos pobres e aos marginalizados, nos inspire a seguir adiante com compaixão e determinação.

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