O historiador francês Philippe Ariès revoluciona o entendimento da infância na sociedade ocidental em seu livro ‘História Social da Criança e da Família’.

A obra do historiador francês Philippe Ariès, intitulada “História Social da Criança e da Família”, publicada em 1960, ainda é uma referência importante para estudiosos da infância. Suas ideias revolucionárias sobre a maneira como as crianças eram encaradas pela sociedade até o começo da Idade Moderna continuam a gerar debate e reflexão nos dias de hoje.

Antes desse período, segundo Ariès, as crianças eram vistas como miniadultos e não recebiam tratamento especial. Evidências encontradas em documentos antigos, especialmente em pinturas medievais, mostram que a infância não era considerada uma fase específica da vida. As crianças eram retratadas vestidas como adultos em miniatura e desde cedo eram inseridas no mundo dos adultos, incluindo jogos, trabalho e até mesmo exposição à sexualidade.

Ariès levanta a hipótese de que essa falta de distinção entre a infância e a vida adulta levou à banalização da morte infantil e à ausência de vínculos afetivos na sociedade da época. Poucos túmulos foram encontrados dedicados a crianças, mesmo com a alta taxa de mortalidade infantil. Isso sugere que as crianças não eram valorizadas o suficiente diante da incerteza da sua sobrevivência.

No entanto, a atribuição do conceito de infância a Ariès é contestada por outros estudiosos, como o historiador americano Peter Stearns, que questiona a ideia de que não havia registros sobre a infância antes do trabalho de Ariès. A pedagoga Maria Angela Barbato Carneiro também destaca que o conceito de infância está relacionado ao papel que a criança ocupa na sociedade, e Ariès pode ter sido o primeiro a realizar estudos significativos sobre o assunto.

Ariès argumenta também que a falta de representações da infância na arte medieval indica a ausência desse conceito na sociedade da época. As crianças eram retratadas com características de adultos em miniatura, sem mostrar os traços típicos da infância. Somente a partir do século 13 a figura da criança começou a ser retratada com mais frequência, ainda que ligada ao religioso, como anjos.

Somente a partir do século 15 é que as crianças começaram a ser retratadas em trajes infantis, e a partir do século 16 surgiram as primeiras efígies funerárias relacionadas à infância. Antes disso, não havia o costume de preservar retratos de crianças, pois a infância era vista como uma fase sem importância ou a perda de uma vida incerta.

É interessante destacar também a abordagem de Ariès sobre a sexualidade na infância. Ele utiliza o diário do médico do rei Henrique IV para mostrar que brincadeiras de cunho sexual entre as crianças eram tratadas com naturalidade na época. Esses relatos indicam que a sociedade ainda não tinha uma consciência clara da particularidade infantil e das diferenças em relação aos adultos.

A partir do século 16, a criança passa a ser incluída no mundo dos adultos, ainda que não respeitando suas diferenças. Começam a surgir retratos de família protagonizados por crianças, e a infância começa a ser entendida como uma fase da vida. Com o desenvolvimento da sociedade moderna, as rotinas de trabalho e a educação escolar passam a criar uma divisão mais clara entre o espaço das crianças e o dos adultos, levando a um tratamento mais respeitoso e voltado para as necessidades da infância.

Em suma, as ideias de Ariès sobre a evolução da maneira como as crianças são encaradas pela sociedade ocidental são fundamentais para o estudo da infância. Apesar de algumas contestações e debates em torno de suas hipóteses, seu trabalho continua a influenciar pesquisas e reflexões sobre o tema.

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