Inauguração da escultura colossal de Nossa Senhora Aparecida em meio a disputas religiosas revela mudanças na devoção popular.

A devoção a Nossa Senhora Aparecida, que outrora beirava a unanimidade nacional, se vê confrontada nos dias atuais. A representação de Maria, mãe de Jesus, continua sendo uma das imagens mais populares no Brasil, um país que detém a maior população católica do mundo. No entanto, o crescimento dos evangélicos e do grupo denominado “sem religião”, que inclui agnósticos, ateus e espiritualizados não vinculados a instituições formais, tem causado desgastes nesse latifúndio religioso.

Um exemplo recente dessa fervorosa fé é a inauguração de uma escultura colossal de Nossa Senhora Aparecida na cidade de Aparecida, no estado de São Paulo. Com 50 metros de altura, equivalente à metade de um campo de futebol, a estátua supera em 12 metros o Cristo Redentor, um símbolo icônico do país. No entanto, essa representação religiosa enfrentou questionamentos antes mesmo de sua estreia. A Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos entrou com uma ação questionando o uso de recursos públicos para favorecer uma crença em um Estado oficialmente laico desde 1890.

Embora a construção da estátua tenha sido liberada pela Justiça, não foi a primeira nem a última vez que a imagem de Nossa Senhora Aparecida foi questionada publicamente. Além de litígios judiciais, houve ataques verbais e até físicos contra a santa. Alguns evangélicos se opõem à veneração de santos, considerando-a uma forma de idolatria. Para eles, Jesus Cristo é o único mediador entre a humanidade e Deus. As investidas contra Aparecida geralmente não resultam em violência, mas refletem o crescimento dessa religião na sociedade.

No entanto, esses ataques não são exclusividade dos evangélicos. Em 1995, um bispo da Igreja Universal do Reino de Deus chutou uma figura da padroeira brasileira, chamando-a de “um bicho tão feio, tão horrível, tão desgraçado”. Esse episódio gerou protestos negativos em todo o país e resultou em ataques contra os templos da igreja liderada pelo bispo Edir Macedo.

Essas manifestações contrárias a Nossa Senhora Aparecida refletem uma mudança de mentalidade na sociedade brasileira. Uma pesquisa realizada pelo Datafolha em 2017, por ocasião do jubileu de 300 anos da santa, constatou que 38% dos brasileiros eram devotos de uma ou mais imagens sacras do catolicismo. Uma década antes, esse número era de 49%. Essa queda pode ser atribuída à retração do catolicismo no Brasil, que ainda é a religião majoritária, mas com uma proporção cada vez menor da população.

Embora o culto a Nossa Senhora Aparecida ainda seja forte no país, é evidente que o papel dos santos no imaginário popular tem perdido força nos últimos anos. Os evangélicos representam cerca de um terço da população, seguidos pelos que não professam nenhuma fé específica, que correspondem a cerca de um décimo. Os próximos anos podem trazer um encolhimento ainda maior do catolicismo no país.

No entanto, vale destacar que houve um tempo em que a Igreja Católica era vista como uma aliada importante pelos governantes brasileiros. Em 1931, Getúlio Vargas, então presidente e agnóstico, instituiu Nossa Senhora Aparecida como padroeira do Brasil. Naquela época, a Igreja Católica era a religião dominante no país, com apenas 2,6% de evangélicos e 0,2% de pessoas sem religião.

A devoção a Nossa Senhora Aparecida, no entanto, não tem sido unanimidade e tem enfrentado resistência de grupos religiosos e indivíduos que questionam a veneração de santos. Embora a figura de Aparecida ainda seja reverenciada por muitos, é inegável que seu poder de influência tem diminuído em meio às mudanças religiosas e sociais que o Brasil tem enfrentado nas últimas décadas.

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