A conexão política e econômica por trás do assassinato de médicos na Barra da Tijuca revela a violência enraizada no Rio de Janeiro

O recente assassinato de três médicos em um quiosque localizado na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro, representa o reflexo de uma estrutura de poder político e econômico que controla essas áreas há mais de seis décadas. De acordo com o renomado sociólogo José Cláudio Souza Alves, a autoria do crime, seja por uma milícia ou por traficantes, não faz diferença no contexto geral. Segundo Alves, essas mortes ocorreram em um território dominado por organizações criminosas que prosperaram com a complacência do Estado. No entanto, uma resposta rápida e uma eventual morte dos responsáveis pelos disparos só serviriam para interromper debates e investigações mais aprofundadas sobre a violência nas cidades brasileiras, sem discutir as conexões políticas envolvidas.

O Rio de Janeiro possui uma longa história de convivência entre grupos armados ligados à estrutura da segurança pública. O assassinato na Barra da Tijuca é um reflexo disso. Tanto o tráfico de drogas quanto as milícias têm suas disputas, mas em ambos os casos existem interesses e conivência de agentes públicos, incluindo o Executivo, o Judiciário e o Legislativo. Esses grupos continuarão atuando. Em relação ao assassinato da ex-vereadora Marielle Franco em 2018, Alves considera que esse novo caso parece ter sido precipitado. Antes que as investigações apontassem para o Comando Vermelho, ele teve a hipótese de que poderia ser um grupo miliciano que teria se aproveitado da mão de obra civil como executora. Esse tipo de contratação de um grupo mais fraco e vulnerável é mais barata e oferece controle sobre a região. Caso sejam descobertos, eles são usados como bodes expiatórios, presos, processados ou mortos, e a situação é dada por encerrada. Essa situação é diferente do caso de Marielle, que envolveu o Escritório do Crime, uma organização mais sofisticada e articulada dentro da estrutura policial, com uma atuação mais complexa e difícil de ser identificada.

Mesmo que um dos médicos tenha sido confundido com um suposto integrante de uma milícia, isso não muda a análise de Alves. Se houve algum equívoco, foi cometido por um grupo armado que age livremente nesse território há muito tempo, estabelecendo limites territoriais e confrontando-se com outros grupos. E essa atuação não seria possível sem a conivência e a cumplicidade da estrutura de segurança pública. A conexão entre tráfico de drogas e milícia não deve ser subestimada, pois esses grupos têm negócios e interesses em comum. Embora se confrontem e esses confrontos resultem em mortes, essas disputas são apenas consequência dessa relação. Ainda assim, essas mortes geram pressão por investigações e obriga o Estado a realizar prisões e identificar os responsáveis. No entanto, Alves acredita que, de certa forma, o problema já será considerado resolvido, baseado na lógica simplista de “bandido bom é bandido morto”. Principalmente porque há muitas peças em jogo nesse tabuleiro, incluindo milicianos, políticos locais e nacionais, como Jair Bolsonaro, e o acusado de matar Marielle, Ronnie Lessa. Dessa forma, as mortes dos médicos serviriam apenas para focar a atenção no tráfico de drogas e no suposto acerto de contas entre os grupos envolvidos, sem debater a conexão política em nível local e nacional.

Quando perguntado sobre uma possível mudança no perfil das milícias, Alves ressalta que esses grupos têm se tornado cada vez mais sofisticados ao longo das últimas décadas devido ao benefício que grupos políticos obtêm com o controle armado, territorial, econômico e eleitoral dessas milícias. Ele menciona o exemplo de Lula, ex-presidente do Brasil, que nomeou a esposa de um político com ligações com milicianos como ministra do Turismo, o que indica a vantagem que essas relações oferecem. Atualmente, o que se prende são apenas os “peões”, ou seja, a mão de obra fornecida pela pobreza e pela desigualdade social. O governador Claudio Castro, por exemplo, já chamou de “combate” o que na verdade é apenas uma fachada. Em certo momento, o secretário de Polícia Civil do Rio de Janeiro foi um indivíduo envolvido com grupos armados e o jogo do bicho, revelando mais uma vez as conexões existentes.

Alves exemplifica o caso de Wellington Braga da Silva, conhecido como Ecko, líder de uma das principais milícias do Rio de Janeiro. Sua morte, um ano antes das eleições de 2022, fragmentou o grupo e teve um impacto significativo nas eleições, abrindo uma oportunidade para outras pessoas assumirem seu lugar e lucrarem com o dinheiro ilegal movimentado por essas organizações. Esses recursos acabariam alimentando as campanhas políticas, já que esses grupos determinam onde as campanhas podem acontecer e quais benfeitorias podem ser mostradas. Essa relação entre grupos armados e política não se restringe ao Rio de Janeiro, mas se estende por todo o país. Em momentos próximos às eleições, funcionários terceirizados em organizações públicas começam a ser substituídos, privilegiando aqueles que têm ligações com os grupos dominantes. Isso se aplica a áreas como saúde e educação, além de questões como a emissão de licenças ambientais nas prefeituras. Tudo é avaliado e checado para atender aos interesses dos grupos.

Quanto à repercussão dessas mortes fora do Rio de Janeiro, Alves acredita que provavelmente esses casos ficarão restritos ao sofrimento das famílias e às mortes dos suspeitos. No entanto, é importante ressaltar que o destaque está no fato de que esses médicos eram inocentes. Se eles fossem traficantes ou milicianos mortos, deveriam estar sujeitos às mesmas leis, afinal, eles também são seres humanos. A ideia de que “bandido bom é bandido morto” permite que continuemos a presenciar uma enxurrada de mortes e que pessoas lucrem com isso. Quanto à participação da Polícia Federal e uma eventual federalização do caso, Alves acredita que isso não é uma solução em si mesma. O problema vai além de uma simples investigação policial, pois envolve interesses políticos que dificilmente serão questionados. A solução real seria criar uma estrutura de segurança pública autônoma, ligada a um novo projeto para o Brasil, mas isso é algo que nenhum político está disposto a fazer atualmente.

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