Uma das acusadas foi Catharina Maria Fortes, cunhada da vítima e residente da vila. Ela foi presa para averiguação, julgada e condenada ao degredo para Benguela, local que atualmente pertence a Angola. Esse castigo consistia na expulsão do condenado de sua moradia para diferentes áreas do império português por vários anos ou até mesmo por toda a vida. Catharina foi transferida para a cadeia do castelo de São Jorge, em Lisboa, e tinha a intenção de cumprir sua pena após cruzar o Atlântico.
No entanto, Catharina não aceitou seu destino e, em 1803, enviou um requerimento ao príncipe regente dom João 6º, solicitando o perdão da pena de degredo para Benguela ou a comutação para Castro Marim, no Algarve, próximo à fronteira com a Espanha. O pedido de perdão ao rei era uma estratégia comum utilizado pelas condenadas, na esperança de livrar-se de suas culpas ou diminuir suas penas. Para os governantes, conceder o perdão poderia ser um ato misericordioso e uma forma de consolidar seu poder.
O representante de Catharina apresentou vários argumentos em seu requerimento, como o fato de o rei ter concedido muitos perdões na Sexta-Feira Santa, a existência de duas pessoas culpadas pelo crime, o status de “miserável donzela” da acusada (que era filha de uma figura importante na vila) e a preferência do rei em não enviar mulheres já desterradas para os degredos ultramarinos.
Testemunhas em Lisboa afirmaram que Catharina era uma pessoa de qualidade, respeitosa às leis divinas e tratada com nobreza pela lei. Uma das testemunhas declarou que ela havia sido presa e condenada com base em “indícios”, conforme mencionado em seu requerimento. Outra testemunha afirmou que ela tinha uma relação conturbada com a vítima. Já o cunhado de Catharina, descrito como uma pessoa de má conduta e propensa a cometer crimes, não participou da partilha dos bens da família, pois foi morto em 1799.
Não sabemos ao certo o que levou Catharina ao assassinato de seu cunhado, se ela teve participação no crime, se obteve o perdão solicitado ou a comutação da pena. No entanto, sabemos que ela fazia parte de uma das principais famílias da vila e que, mesmo em uma sociedade escravista e hierarquizada, ela e sua irmã recorreram à Justiça para buscar seus direitos através dos meios legais disponíveis.
O projeto “Mátria Brasil” visando retratar mulheres relevantes ao longo da história do país, desde a invasão portuguesa até os dias atuais. Os textos são escritos por historiadoras e historiadores de diferentes regiões do Brasil e são publicados semanalmente ao longo de seis meses. A iniciativa foi idealizada pela professora Patrícia Valim, do departamento de história da Universidade Federal da Bahia (UFBA), que também é uma das coordenadoras do projeto.