A médica psiquiatra Elisa Brietzke, formada em uma faculdade federal no Sul do Brasil em 1996, relembra os trotes que sofreu durante seu ingresso na universidade, onde as calouras eram sexualizadas e humilhadas. De acordo com ela, desde cedo é normalizado ser tratado de acordo com a posição hierárquica, e também a ideia de que mulheres estão sujeitas a abuso sexual.
A normalização desses comportamentos contribui para a perpetuação de um ambiente hostil nas universidades, já que as pessoas no topo da hierarquia tendem a ocupar posições de poder nos hospitais. Essas pessoas decidem sobre a entrada de alunos no corpo clínico ou em plantões lucrativos. A indicação de colegas e as relações sociais estabelecidas na faculdade são fundamentais para o sucesso na área médica.
Embora haja mudanças nas diretrizes das universidades, como a proibição de trotes violentos e da venda de álcool em bares, a médica Brietzke afirma que isso acaba afastando as atléticas da administração das universidades, dificultando o controle dessas práticas.
Outros relatos de estudantes e médicos também confirmam a existência de agressões nas universidades, principalmente em faculdades localizadas no interior, onde os alunos estão longe de suas famílias e veem na faculdade seu único elo.
Na Faculdade de Medicina da USP, os trotes foram proibidos desde 1999, após a morte de um calouro em um evento de recepção. Uma estudante de medicina do sexto ano conta que ingressou com medo de ser agredida pelos veteranos, mas isso nunca aconteceu.
Atualmente, há um projeto de lei em tramitação na Câmara dos Deputados que busca proibir qualquer tipo de trote universitário violento, obrigando as instituições a adotarem medidas preventivas.
A expulsão de estudantes envolvidos no caso da Unisa foi criticada pela psicóloga Liliana Seger, que considera os alunos expulsos como bodes expiatórios. Segundo ela, expulsar os alunos não resolve o problema, pois é preciso mudar a mentalidade de machucar as pessoas. O trote, que deveria ser um momento de integração, muitas vezes se transforma em submissão e humilhação.
Em resumo, as práticas de trotes violentos e humilhantes ainda persistem nas universidades de medicina, apesar das medidas de proibição. É necessário um esforço conjunto das instituições, dos alunos e da sociedade como um todo para combater essa cultura de assédio e hierarquia violenta.