Segundo os cientistas envolvidos no estudo, a prática de enriquecer o solo da região não se perdeu ao longo dos séculos. Os restos de matéria orgânica produzidos pelo cultivo de mandioca, pesca, carvão e cinzas de fogueiras são descartados em pontos específicos das aldeias e dão origem à terra preta, que é utilizada para o cultivo de lavouras de alta demanda de nutrientes.
A equipe responsável pela pesquisa é coordenada por Morgan Schmidt e Taylor Perron, do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts, nos EUA), e conta com a participação de renomados especialistas brasileiros, como o arqueólogo Eduardo Neves, da USP, e o agrônomo Wenceslau Teixeira, da Embrapa Solos. Além disso, o estudo também conta com a contribuição de representantes da população indígena do Xingu, sendo uma prática comum nas pesquisas realizadas na região.
A terra preta difere dos solos típicos da Amazônia por seu tom mais escuro, além de ser rica em matéria orgânica e nutrientes essenciais para o desenvolvimento vegetal. Essa característica pode ser encontrada ao longo de toda a calha do Rio Amazonas e seus afluentes, abrangendo desde a Ilha do Marajó até o Acre.
Existe uma forte associação entre a terra preta e os sítios arqueológicos, com registros que datam de vários milênios antes de Cristo até a época da invasão europeia. Por sua fertilidade, o solo é comercializado como fertilizante para jardins e hortas.
Embora sempre tenha sido evidente que a terra preta possuía uma origem não natural, havia dúvidas sobre a intencionalidade por trás de sua formação. Alguns pesquisadores acreditavam que o solo era um subproduto da “gestão de resíduos” nas aldeias indígenas do passado, enquanto outros consideravam que era um dos fatores-chave para a alta produtividade agrícola amazônica na época pré-colonial.
Para desvendar as origens da terra preta, os pesquisadores analisaram amostras de sítios arqueológicos e aldeias abandonadas na região do Alto Xingu, além de povoados atuais dos kuikuros. Também foram incluídos na análise sítios arqueológicos das regiões do rio Tapajós e de Carajás. Os resultados mostraram que as manchas de terra preta se concentram nas áreas centrais dos antigos assentamentos e estão associadas ao descarte de matéria orgânica. Além disso, foi observado que os solos da região são menos ácidos e possuem um teor de nutrientes pelo menos dez vezes maior em comparação com os solos circundantes.
Os kuikuros associam a terra preta aos seus ancestrais e ao trabalho agrícola atual. Segundo relatos, eles varrem carvão e cinzas e depois os despejam nos locais de plantio para que se transformem em terra preta. Essa prática é essencial para o cultivo da batata-doce, por exemplo. Os kuikuros também espalham cinzas com carvão e restos orgânicos derivados do processamento de mandioca sobre o solo para fertilizá-lo.
Os resultados dessa pesquisa são importantes para entender como os indígenas utilizavam métodos sustentáveis para enriquecer o solo amazônico e conseguir altas produtividades agrícolas. A continuidade cultural entre a ocupação pré-cabralina e as populações indígenas atuais é fundamental para preservar esse conhecimento ancestral e adaptá-lo às necessidades atuais de maneira sustentável.