Festival #FicaÓ: Músicos lutam pela preservação do bar Ó do Borogodó em São Paulo contra a especulação imobiliária

O uso de bermudas tem sido motivo de surpresa para algumas pessoas, que consideram essa escolha infantil ou uma demonstração de adolescência tardia. No entanto, me questiono sobre a maturidade em passar a vida suando em temperaturas que chegam a 36 graus no inverno brasileiro.

Recentemente, tenho dado uma conotação política às questões de temperatura. Defendo que usar bermuda é um ato “decolonial”, onde enxergo nas minhas pernas figuras como Simón Bolívar, San Martín, Zapata, Tupac Amaru, Gandhi e Franz Fanon. Ao vestir uma bermuda, vejo-me livre da opressão europeia.

Em São Paulo, por exemplo, os taxistas são multados se não estiverem vestindo calça social, conforme determina a “PORTARIA 7/2016 – SMT/DTP, DE 20 DE JANEIRO DE 2016”. Além disso, os taxistas que pertencem à categoria de táxi Luxo são obrigados a usar terno ou smoking. Sim, smoking! Essas imposições refletem a visão dos brasileiros metropolitanos, que admiram o caubói norte-americano, mas menosprezam o caipira nacional.

Nós, brasileiros, precisamos valorizar nossa identidade e parar de buscar ser algo que não somos. Lutar pelo Brasil não se resume a cantar hinos patrióticos ou usar a bandeira como capa de super-herói. Esses são símbolos de uma mentalidade colonial, que também é evidenciada nas exigências impostas aos taxistas.

Nada representa melhor a diversidade brasileira do que o samba. E poucos lugares em São Paulo representam tão bem essa cultura quanto o Ó do Borogodó. Ao longo dos últimos 20 anos, grandes nomes do samba passaram por lá, como Beth Carvalho, Paulo Moura, Wilson Moreira, Yamandu Costa e Élton Medeiros. O bar também é responsável por revelar talentos como Fabiana Cozza e Kiko Dinucci. Além disso, artistas internacionais, como Esperanza Spalding e Maria de Medeiros, já se apresentaram no local. O Ó do Borogodó é um importante celeiro da rica cultura sambista em São Paulo.

No entanto, infelizmente, o dono do imóvel decidiu vendê-lo e provavelmente será substituído por mais um prédio com nome estrangeiro. A proprietária do bar, Stefânia Gola, está tentando obter o reconhecimento do Ó do Borogodó como uma Zepec-APC (Zona especial de preservação cultural), que leva em consideração a importância cultural de um local para a cidade. Se esse importante espaço para o samba não for considerado apto para proteção, então o que será? As estátuas da liberdade do empresário da Havan?

Para tentar sensibilizar a prefeitura sobre essa questão, será realizado neste domingo o festival #FicaÓ, na rua Horácio Lane, em frente ao Ó do Borogodó. O evento contará com a participação de diversos sambistas, que mostrarão como uma cidade pode ser vibrante, acolhedora e digna, sem a necessidade de restringir as pernas dos taxistas.

Essas lutas são importantes para valorizar a cultura brasileira e combater o complexo de inferioridade enraizado em nossa sociedade. É preciso reconhecer a mistura como um aspecto enriquecedor da nossa identidade e garantir a preservação dos espaços culturais que a representam.

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