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A disparidade racial no aborto: mulheres negras têm 46% mais chances de interromper a gravidez do que as brancas, segundo pesquisa inédita

Um novo recorte da Pesquisa Nacional de Aborto revelou que mulheres negras têm maior probabilidade de realizar um aborto do que mulheres brancas no Brasil. Realizada nos anos de 2016, 2019 e 2021, a pesquisa apontou que a cada dez interrupções realizadas por mulheres brancas, outras 15 são realizadas por mulheres negras.

O estudo também mostrou que ao alcançarem os 40 anos de idade, 1 em cada 5 mulheres negras já terá realizado pelo menos um aborto, enquanto entre as mulheres brancas essa proporção é de 1 em cada 7. Essa diferença coloca as mulheres negras em uma situação 38% mais propensa a terem realizado um aborto em comparação com as mulheres brancas da mesma faixa etária.

Intitulado “Aborto e Raça no Brasil, 2016 a 2021”, o artigo reforça a tese de que o procedimento é comum entre as brasileiras, mesmo sendo legal apenas em casos de gravidez após estupro, de feto anencéfalo e quando há risco de morte materna. As desigualdades raciais foram constatadas nas três edições da pesquisa nacional.

De acordo com os pesquisadores Debora Diniz, Marcelo Medeiros, Pedro H. G. Ferreira de Souza e Emanuelle Goés, “a diferença racial não é apenas um acidente dentro das margens de erro”. Todas as evidências apontam para o fato de que o aborto é mais comum entre as mulheres negras.

Além disso, o estudo mostrou que as mulheres pretas e pardas são as mais expostas aos riscos decorrentes da criminalização do aborto, principalmente o risco de morte após a realização de um método inseguro. A criminalização dificulta o acesso das mulheres aos sistemas de saúde, tanto antes quanto depois do procedimento, devido ao medo de represálias. Isso leva as mulheres a recorrerem a métodos inseguros, o que aumenta os riscos envolvidos.

Emanuelle Goés, pesquisadora associada do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs) da Fiocruz Bahia, ressaltou que as mulheres negras estão em maior risco de aborto inseguro devido ao racismo presente na sociedade. Ela afirmou que as desigualdades raciais atravessam toda a trajetória reprodutiva das mulheres, colocando-as em maior desvantagem e vulnerabilidade.

O estudo foi financiado pelo Anis: Instituto de Bioética e contou com 4.241 entrevistas. A margem de erro para as três edições da Pesquisa Nacional de Aborto é de dois pontos percentuais. A coleta de dados foi feita por meio de urna, para evitar constrangimentos e subestimação dos dados.

Essas descobertas são especialmente relevantes em um momento em que a presidente do STF, ministra Rosa Weber, liberou para julgamento a ação que trata da descriminalização do aborto durante o primeiro trimestre de gestação. A argumentação é de que a criminalização viola direitos fundamentais das mulheres, como a dignidade, a cidadania, a vida, a igualdade, a liberdade e o direito à saúde e ao planejamento familiar.

A ADPF 442, apresentada pelo PSOL em 2017, aguarda julgamento. Enquanto isso, os resultados desse estudo reforçam a importância do debate sobre o acesso seguro e legal ao aborto, levando em consideração as desigualdades raciais e as consequências que as políticas restritivas têm sobre as mulheres negras no Brasil.

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