Ex-legistas são denunciados pelo Ministério Público Federal por falsificação de laudos durante a ditadura militar.

Dois médicos-legistas foram denunciados pelo Ministério Público Federal (MPF) em São Paulo por elaborarem laudos necroscópicos falsos sobre as mortes dos militantes políticos Sônia Maria de Moraes Angel Jones e Antônio Carlos Bicalho Lana durante a ditadura militar brasileira. A denúncia foi encaminhada à 6ª Vara Federal de São Paulo.

De acordo com o MPF, os médicos Harry Shibata e Antonio Valentini, que atuavam no Instituto Médico Legal (IML), omitiram em seus laudos que as vítimas foram torturadas. Sônia Maria e Antônio Carlos eram membros da Aliança Libertadora Nacional (ALN), um dos principais grupos de oposição ao regime militar. Sônia Maria era viúva do estudante Stuart Edgart Angel Jones, morto pela repressão em 1971.

Os dois militantes foram capturados em 1973 quando viajavam de São Vicente para São Paulo e, segundo o Ministério Público, foram levados para um centro clandestino na zona sul de São Paulo, a Fazenda 31 de Março, onde foram torturados e posteriormente executados. Os corpos foram encaminhados ao IML com a letra T marcada, que instruía os legistas a omitirem informações sobre tortura.

A denúncia do MPF alega que os médicos-legistas negaram as evidências de tortura nos laudos necroscópicos, informando apenas que as vítimas morreram por perfurações por projéteis. Essa informação corroborava a versão oficial de uma suposta troca de tiros com os agentes de repressão. No atestado de óbito de Sônia Maria, Harry Shibata também não a identificou pelo nome verdadeiro, apenas pelo codinome, dificultando a localização de seu corpo por parte dos familiares.

Sônia Maria e Antônio Carlos foram enterrados como indigentes no cemitério Dom Bosco, em Perus, na zona norte de São Paulo, e suas ossadas só foram encontradas em 1991. Relatórios necroscópicos pós-exumação e análises fotográficas comprovaram as omissões nos laudos produzidos pelos médicos.

Os médicos-legistas foram denunciados pelo MPF pelos crimes de falsidade ideológica e ocultação de cadáver. O procurador da República Andrey Borges de Mendonça, responsável pela denúncia, argumenta que esses crimes não podem ser amparados pela Lei da Anistia, decretada em 1979, que anistiou todos os crimes políticos cometidos no período da ditadura.

Harry Shibata já foi alvo de outras oito denúncias por forjar laudos cadavéricos de militantes políticos. Já Antonio Valentini foi denunciado duas vezes por práticas semelhantes. O advogado de Shibata argumenta que a Lei da Anistia abrangeu todos na época, incluindo tanto os terroristas quanto os militares, e que o Supremo Tribunal Federal já reconheceu a validade dessa lei.

Até o momento, a reportagem não conseguiu localizar Valentini ou seu advogado de defesa.

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