Nas lições de Melbourne e Copenhague, o espaço público ganha prioridade e se torna essencial para o bem-estar urbano.

Melbourne e Copenhague frequentemente são consideradas duas das melhores cidades do mundo para se viver. No Congresso Mundial de Arquitetura, realizado em julho, um painel foi formado por dois renomados urbanistas responsáveis pelo sucesso dessas cidades. Jan Gehl, dinamarquês e considerado um dos urbanistas mais influentes do mundo, é conhecido por difundir o conceito de “Cidades para Pessoas”. Rob Adams é o diretor de desenho urbano de Melbourne e um dos autores do plano de requalificação da cidade.

Será que podemos aprender alguma lição com essas cidades, mesmo com realidades tão distintas? Apesar de enfrentarmos problemas diferentes, como violência, desigualdade e favelas sem infraestrutura, acredito que muitas das boas ideias não estão ligadas ao dinheiro, mas sim à qualidade da gestão e à clareza de propósitos. Um exemplo é Bogotá, na Colômbia, que possui um maior número de boas ideias em teste do que a maioria das cidades brasileiras.

Uma das ideias principais é a valorização do espaço público. Se a vida urbana se restringe aos espaços privados, a cidade perde vida. Por isso, o desenho urbano deve focar na redescoberta da cidade pelas pessoas, com segurança e prioridade. Bons espaços públicos são caminháveis, têm serviços e lazer ao alcance, são protegidos dos carros, possuem lugares para descansar e, considerando os desafios do aquecimento global, possuem árvores, jardins de chuva e áreas permeáveis.

A diminuição do domínio dos carros nas vias urbanas faz parte dessa retomada da cidade, mas também gera conflitos. O aumento de calçadas, faixas de ônibus ou ciclovias sempre causa polêmica entre aqueles que perdem espaço, até mesmo em Copenhague, como mostram fotos da década de 1960 com a cidade cheia de carros e, hoje, cheia de ciclistas e pedestres.

Em São Paulo, o maior meio de transporte é a caminhada, mas o pedestre parece invisível em meio aos viadutos, avenidas, marginais e áreas perigosas. Além de ser a base da vida urbana, os especialistas em urbanismo defendem que a utilização do pedestre e da bicicleta são essenciais até mesmo para o transporte público. Se é difícil chegar ao ponto de ônibus ou ao terminal de trem, todo o sistema falha.

Outra preocupação nas boas cidades é a vitalidade do centro. Em Copenhague, por exemplo, é no centro que as pessoas se encontram, frequentam shows, fazem compras, visitam museus e passeiam. Em São Paulo, há décadas se fala em revitalizar o centro, mas isso mostra o tamanho do desafio de incentivar as pessoas a morarem em áreas que hoje são inseguras e malcuidadas.

A continuidade na gestão pública também é essencial. Prefeitos mudam a cada quatro anos, mas é importante que as equipes técnicas garantam que essa mudança não gere descontinuidade. Em São Paulo, nos últimos 30 anos, tivemos diversos prefeitos, e garantir alguma coerência entre gestões tão diferentes é possível por meio de uma equipe técnica sob uma liderança forte, que seja capaz de trabalhar junto aos políticos para garantir a continuidade dos planos, assim como ocorreu em Curitiba com o IPPUC, o órgão de planejamento urbano municipal.

A densidade urbana também é um tópico importante. A maioria dos urbanistas defendem a densidade e o uso misto. Porém, o que vemos nas boas cidades é mais inspirador do que a floresta de prédios feios de São Paulo. Jan Gehl advoga por um limite de altura de sete andares, para que os moradores dos prédios não percam contato com a cidade. Barcelona, por exemplo, possui um limite rígido de altura e é uma das cidades mais densas da Europa. Melbourne também possui exemplos sensacionais de prédios baixos ao longo das avenidas. Os prédios de quatro andares, que estão desaparecendo em bairros de São Paulo, poderiam aumentar drasticamente a densidade de áreas atualmente ocupadas por residências unifamiliares, sem interferir tanto na paisagem.

Em relação à gestão pública, para combater a falta de moradia em áreas bem localizadas, a iniciativa privada supre aqueles com condições financeiras. No entanto, aqueles que não possuem condições necessitam da intervenção do governo para garantir casas ou aluguel social. Em cidades como Copenhague e Viena, o Estado possui propriedades justamente para controlar os preços e garantir acesso às pessoas que precisam.

Cada cidade precisa compreender seu caráter e explorá-lo. A herança multicultural da cidade de São Paulo, por exemplo, comportaria soluções mais criativas. No entanto, é importante não importar ideias sem questioná-las e buscar entender como elas podem se adaptar à realidade local. Um exemplo é o caso do Anhangabaú, que contou com consultoria do escritório de Jan Gehl em sua fase inicial. A responsabilidade deve ser nossa ao aceitar ideias sem questionamentos.

Para aqueles que desejam se aprofundar nesses conceitos, uma dica é o livro “Cidades para Pessoas” de Jan Gehl. Também é possível encontrar no YouTube um vídeo do debate entre esses dois planejadores.

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