O Stonewall brasileiro, conhecido como o Levante do Ferro’s Bar, celebra quatro décadas de luta pela comunidade LGBTQ+.

No dia 19 de agosto de 1983, um levante liderado por lésbicas tomou conta do Ferro’s Bar, localizado no centro de São Paulo. O bar, frequentado principalmente por lésbicas, feministas e políticos progressistas, proibiu a circulação do periódico independente “ChanacomChana”, produzido por organizações LGBTQIA+. Insatisfeitas com essa proibição, as mulheres resolveram tomar o local e convocaram outras pessoas para participar do protesto.

O momento da invasão foi registrado por diversos repórteres, que se aglomeraram para documentar a ação. As pioneiras do movimento lésbico brasileiro, Rosely Roth, Miriam Martinho, Marisa Fernandes e Alice Oliveira, lideraram o levante. Inicialmente, o porteiro tentou resistir segurando a porta, mas um corajoso participante roubou o acessório e jogou-o longe, permitindo que o grupo tomasse conta do bar.

Alice Oliveira, uma das fundadoras do Somos, a primeira organização pela diversidade sexual do Brasil, relembra como o Ferro’s Bar se transformava em um local de encontro para lésbicas durante a noite, embora durante o dia funcionasse como um restaurante familiar. O estabelecimento era admirado pelo dinheiro que as lésbicas gastavam, mas não pelo que elas eram.

O levante ocorreu após o Grupo de Ação Lésbica Feminista tentar comercializar o periódico “ChanacomChana” no bar, mas sem sucesso. Diante dessa proibição, as mulheres se sentiram desrespeitadas e decidiram se organizar para tomar o Ferro’s Bar como forma de protesto.

Após algumas horas, o proprietário cedeu às demandas do grupo e a vitória foi celebrada com um beijaço. Esse levante foi considerado a primeira manifestação pública liderada por lésbicas no Brasil, marcando o debate sobre a liberdade sexual em um momento de redemocratização do país, segundo a historiadora Julia Kumpera.

Marisa Fernandes, uma das líderes desse movimento, destaca que um dos objetivos da ditadura era controlar os corpos e os desejos das mulheres e da população LGBTQIA+, impedindo que se organizassem para reivindicar seus direitos. Na época, os bares lésbicos em São Paulo sofriam com constantes devassas policiais, como a famosa “Operação Sapatão” de 1980, na qual quase 200 mulheres foram presas e tiveram que pagar para serem liberadas.

Recentemente, o levante do Ferro’s Bar foi tema de um curta-metragem produzido pelo Cine Sapatão, que retrata o despertar do movimento lésbico brasileiro. Segundo Nayla Guerra, uma das diretoras, esse filme é importante para preservar a memória desse evento e destacar a resistência e o protagonismo das lésbicas.

Embora o Ferro’s Bar nunca tenha se transformado em um espaço de memória, a data da invasão é celebrada nacionalmente como o Dia do Orgulho Lésbico. Alice Oliveira, uma das entrevistadas no filme, se emociona ao ver uma nova geração valorizando o passado e construindo o futuro das lésbicas. Ela afirma que doou sua vida para a militância e fica aliviada por dividir o protagonismo com outras pessoas.

É crucial dar destaque a eventos de resistência como esse e mostrar a existência de outros pontos de resistência desconhecidos pelo país. A memória desses momentos é fundamental para fortalecer as conquistas e os avanços do movimento LGBTQIA+.

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