Nas periferias, o aquilombamento é estratégia vital para sobrevivência – Estadão Expresso.

Aquilombamento: a resistência e organização das comunidades negras

Você já ouviu falar sobre o conceito de aquilombamento? É um termo que se refere à criação de espaços seguros e de acolhimento para pessoas pretas e grupos marginalizados, como escreve Abdias Nascimento em seu livro Padê de Exu Libertador. De acordo com Nascimento, “sabes que em cada coração de negro há um quilombo pulsando; em cada barraco onde Palmares crepita”. O aquilombamento está relacionado aos quilombos, historicamente comunidades autônomas formadas por pessoas negras que fugiam da escravidão no Brasil colonial. Porém, o conceito de aquilombamento vai além dos quilombos tradicionais.

Recentemente, o Censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) publicou uma pesquisa mostrando que cerca de 1,3 milhão de brasileiros se identificam como quilombolas. Essa foi a primeira vez que o Censo incluiu esse grupo, evidenciando a importância de reconhecer e valorizar essas comunidades. Segundo o IBGE, existem 2.300 agrupamentos quilombolas no país, dos quais cerca de 400 têm suas terras demarcadas.

De acordo com a arqueóloga Ana Dindara, os quilombos são construções que garantem a existência e sobrevivência do povo preto. Ela ressalta a importância do Censo para mostrar a imensidão dos territórios quilombolas e evidenciar uma história alternativa sobre o Brasil. O aquilombamento faz parte do processo de organização da população negra e vai além de um simples ato, é uma ação de transformação de pertencimento da identidade preta.

Um exemplo de aquilombamento é a Travada, um espaço multicultural criado por pessoas trans, moradoras das periferias de Araraquara, interior de São Paulo. A Travada surgiu em 2018 como uma festa, buscando ocupar o interior paulista com eventos voltados para pessoas LGBTQIAP+, que muitas vezes precisavam sair do interior para ter acesso a espaços de cultura no centro de São Paulo. Vita Pereira, uma das fundadoras da Travada, é uma travesti preta que viveu experiências de aquilombamento nas periferias de São Paulo.

Durante a pandemia, a Travada teve que se adaptar e buscar outras formas de aquilombamento, para além das festas. O movimento de estar em coletivo se tornou ainda mais importante, principalmente diante do descaso com a saúde por parte do governo. A tecnologia desempenhou um papel fundamental nesse processo, permitindo a comunicação e organização dos grupos.

No entanto, os desafios do aquilombamento são grandes. Manter um espaço físico e garantir recursos para iniciativas culturais fora dos centros urbanos é uma batalha constante. A Travada encontrou uma solução criativa, utilizando a arrecadação das festas para financiar outros projetos, como residências artísticas, oficinas e ensino de práticas de costura.

O aquilombamento é uma tecnologia ancestral que sobrevive até hoje dentro das comunidades negras, periferias e espaços como a Travada. No entanto, ainda há muito a ser feito para que essa forma de resistência e organização seja reconhecida e valorizada em larga escala. É preciso enxergar os povos quilombolas como detentores de potências e buscar uma sociedade aquilombada que valorize a diversidade e busque viver com qualidade. O exemplo da Travada mostra que isso é possível e concretiza o sonho de abrir uma escola livre de artes e culturas, demarcando o território como um espaço de resistência e vida.

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