Paris enfrenta sua primeira onda de fumaça nas ruas enquanto combate o mosquito Aedes.

Havia se passado 15 dias desde a comemoração do oitavo aniversário do golpe militar de 1964. Naquela manhã de sexta-feira, 14 de abril de 1972, ocorreu um evento que ficaria marcado na memória do trabalhador Martinho Leal Campos. Martinho era redator de publicações técnicas na fábrica da General Motors em São Caetano do Sul, região do ABC paulista, e estava concentrado na elaboração do texto do manual do Chevette, que seria lançado no ano seguinte. Por volta das 11 horas da manhã, um grupo de policiais à paisana invadiu o escritório procurando por alguém, e Martinho foi o seu alvo.

O gerente do departamento tentou ganhar tempo conversando com os policiais, enquanto Martinho tentava escapar. Porém, sua tentativa foi em vão, pois uma moça que voltava de férias o chamou pelo seu nome, e os policiais o agarraram. Martinho foi então levado à força para uma viatura da GM, onde foi espancado antes mesmo de chegar ao seu destino, o DOI-CODI em São Paulo. No DOI-CODI, o primeiro a espancá-lo foi o famoso torturador Brilhante Ustra, que inclusive quebrou os seus dentes.

Assim como Martinho, outros trabalhadores da GM também foram perseguidos e torturados devido à cooperação ativa da empresa com o regime militar. Sebastião Penha Filho, ex-operário da unidade de São José dos Campos, chegou a pensar em cometer suicídio devido à pressão psicológica sofrida durante sua demissão. Além disso, seu nome foi incluído na infame “lista suja”, o que dificultava sua recolocação profissional. Já Assis Henrique de Oliveira, que foi demitido após uma greve em 1985, desapareceu três anos depois e até hoje não foi encontrado.

A GM tinha seu setor de segurança chefiado pelo coronel aposentado da Força Aérea Brasileira, Evaldo Herbert Sirin. Ele era um dos representantes da empresa nas reuniões do Cecose-VP, uma organização que trocava informações sobre lideranças e ativistas sindicais, além de monitorar os movimentos dos trabalhadores.

A prisão de Martinho Leal Campos dentro da GM demonstra claramente a cooperação existente entre a empresa e os órgãos de repressão durante a ditadura. A situação também foi verificada na Volkswagen do Brasil na mesma época, com a perseguição, tortura e prisão de trabalhadores.

Martinho sempre esteve ligado a partidos de esquerda e já havia sido preso em 1964. Ele escrevia e distribuía boletins, jornais e manifestos considerados subversivos pelos órgãos de repressão. Após ser solto em 1966, ele se estabeleceu em São Paulo, trabalhando no comércio e depois no ramo metalúrgico. Martinho participou ativamente do movimento sindical na região do ABC paulista, ao lado de outros operários históricos.

A prisão de Martinho Leal Campos é apenas mais um exemplo da repressão e perseguição política ocorridas durante o regime militar no Brasil. A cooperação da GM e de outras empresas com o regime é uma peça importante desse contexto, revelando a forma como a ditadura se infiltrou em várias esferas da sociedade. O caso de Martinho é apenas a ponta do iceberg, e muitos outros trabalhadores sofreram nas mãos dos agentes do regime. É essencial que essas histórias sejam contadas e que a memória das vítimas seja preservada.

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