Na minha família, existia um acordo tácito de que se alguém dissesse que um livro não era apropriado para nossa idade, era exatamente isso que nos motivava a lê-lo escondido. Nem sempre compreendíamos completamente a história, mas nos sentíamos como pré-adultos ao transgredir literariamente entre os almanaques de férias e os manuais do escoteiro mirim.
Lembro-me de uma vez em que fui pega folheando um livro de Nelson Rodrigues e levei uma bronca: “Não pode, é indecência!”. E assim confiscaram de mim “Os Sete Gatinhos”, sem explicar se era a história de bichanos fofos ou por que aquele exemplar, apesar de tão condenável, vivia tranquilo em uma gaveta da cabeceira.
Estranhamente, encontrávamos os livros mais obscenos nas estantes das pessoas mais pudicas. “Sexus, Plexus, Nexus”. Complexos de Philip Roth. Os poemas eróticos de Drummond. Décadas antes dos best-sellers sáficos da geração Z, Cassandra Rios desafiou a ditadura e conquistou o coração das donas de casa. Lembro-me da mãe de uma amiguinha que escondia “Carne em Delírio” atrás de um quadro da Santa Ceia.
Depois da morte de um conhecido general da reserva, ninguém se chocou ao descobrir sua pilha de catecismos do Carlos Zéfiro. Mas o que realmente causou impacto foi encontrar uma coleção completa das famosas “Júlias”, “Sabrinas” e “Biancas”, a nossa mais romântica pulp fiction.
À medida que fui crescendo como leitora, mantive meu respeito e apreço pelos livros censurados. Em vez de literatura erótica, passei a me interessar por obras cheias de rebeldia e experimentação. Até hoje, guardo esses livros em prateleiras bem visíveis.
Sei que hoje em dia, com a ascensão das telas e das redes sociais, a leitura vem sendo deixada de lado. No entanto, sempre que me deito com um livro, a sedução acontece. Acaricio suas páginas e as cheiro, como se fossem o pescocinho de um amante ampliado e revisto de Lady Chatterley. Não tenho vergonha dessa paixão.