Legislativo confronta decisões do Supremo em série de iniciativas, gerando disputa entre os Poderes.

Nas últimas semanas, temos observado uma série de iniciativas vindas do Legislativo que parecem confrontar diretamente temas que já foram julgados ou estão em julgamento no Supremo Tribunal Federal. Isso não é algo novo, já que o Legislativo tem o hábito de reagir a decisões ou à pauta do Supremo.

Um exemplo disso foi em 2017, quando o Supremo considerou a vaquejada inconstitucional por submeter os animais a maus-tratos e, meses depois, o Congresso Nacional aprovou uma emenda para alterar a Constituição e excepcionar a vaquejada como prática cruel. Esse tema retornou ao Supremo e ainda está aguardando uma decisão.

Em 2018, quando o Supremo pautava o debate sobre a limitação da prerrogativa de foro por função, o Congresso pediu a retirada desse assunto da pauta, pois estaria analisando uma proposta de emenda constitucional com o mesmo objetivo. Além disso, o Congresso cogitou reinserir o financiamento de campanhas eleitorais por pessoas jurídicas no texto da Constituição.

Portanto, podemos ver que o Legislativo reage às decisões do Supremo de forma autointeressada, buscando perpetuar suas dinâmicas, ou age para agradar sua base eleitoral, mesmo que em questões já consideradas inconstitucionais pelo tribunal.

Do ponto de vista jurídico e institucional, não há nenhuma limitação que impeça o Legislativo de rediscutir temas já votados pelo Supremo, uma vez que as decisões do tribunal não vinculam a atividade legislativa. No entanto, essa rediscussão pode ser em vão, já que novas leis que contrariem decisões judiciais provavelmente serão novamente analisadas pelo tribunal. Mesmo assim, sendo o próprio tribunal não adstrito às suas próprias decisões, alterações de entendimento, advindas de uma nova interpretação ou de mudança na composição do tribunal, podem validar posições antes consideradas inconstitucionais. Diante dessa incerteza, parece que o Legislativo está disposto a arriscar. Essa é a lógica da relação entre os Poderes.

Nos últimos meses, esse movimento tem se intensificado, com o Legislativo dando andamento a projetos que tratam do marco temporal para a proteção de terras indígenas, criminalização das drogas, proibição da união homoafetiva e anistia às penalidades pelo descumprimento de ações afirmativas em âmbito eleitoral. Em alguns desses casos, houve um anúncio explícito de que essas iniciativas são uma resposta às deliberações do tribunal.

O parecer do projeto de lei que pretende proibir a união entre pessoas do mesmo sexo é um exemplo disso. O relator desse projeto mencionou que a corte constitucional brasileira “usurpou a competência do Congresso Nacional” e que a decisão do tribunal foi pautada por “propósitos ideológicos, o que distorce a mens legislatoris e a vontade do povo brasileiro”. Essa mesma retórica tem sido repetida por senadores inconformados com votos da ministra Rosa Weber sobre aborto e pelo presidente do Senado em relação ao julgamento sobre a descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal.

É importante ressaltar que essas táticas estão ocorrendo em um contexto no qual o Supremo saiu de um longo e desgastante processo de ataques promovidos pela extrema direita, que segue em parte no Legislativo e que não parece ter abandonado a estratégia de confrontação com o tribunal. Assim, essa disputa entre Legislativo e Supremo pode transcender uma divergência de posições para se tornar uma frente de desgaste intencional do tribunal. Inclusive, já há propostas sobre a possibilidade de o Legislativo sustar decisões do Supremo.

A Constituição estabelece que os direitos de minorias e as garantias democráticas não podem ficar à mercê de maiorias eleitas. E cabe ao Supremo Tribunal Federal preservar esses direitos, atuando como uma instância que não opera na lógica representativa e que, por vezes, decide de forma oposta à vontade de maiorias, em defesa de uma democracia qualificada pelo pluralismo.

Em democracias como a nossa, a vontade do povo, exercida através do voto no Legislativo e no Executivo, está limitada pela Constituição, assim como está o poder de decisão do Supremo Tribunal Federal. Quando ambos se afastam da Constituição, temos um problema. É a adesão à Constituição e ao seu projeto plural e democrático que determinará a legitimidade das decisões que, hoje, estão em disputa entre o Supremo e o Legislativo.

Diante disso, a resposta para a disputa entre Legislativo e Supremo deveria ser: a Constituição.

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