Fuvest terá lista de leitura obrigatória com obras apenas de autoras pela primeira vez na história, impactando o ensino da literatura no país.

A Fuvest, órgão que seleciona os ingressantes para a principal universidade do país, a Universidade de São Paulo, será palco de uma mudança histórica em sua lista de leitura obrigatória. Pela primeira vez na sua história, a lista será composta exclusivamente por obras escritas por mulheres. Estas mudanças visam a entrada dos alunos que ingressarão na universidade em 2026.

A lista que a Folha de São Paulo teve acesso com exclusividade (veja ao final desta reportagem) estará em vigor a partir do processo seletivo de 2025. Durante os anos de 2026 a 2029, apenas autoras farão parte da lista de leituras obrigatórias, excluindo até mesmo Machado de Assis. Gustavo Monaco, diretor-executivo da Fuvest e membro do Conselho Universitário da USP, considera que a mudança é uma “lista de ruptura”.

“Haverá resistência, mesmo internamente na universidade, porque a lista de leitura obrigatória sempre seguiu a linha, justificável, de exigir a leitura dos cânones”, disse Monaco. “Obviamente ninguém discute que os autores das listas anteriores sejam grandes nomes, mas a pergunta que se deve fazer é: até que medida essa consagração tem relação com o fato de tantas autoras terem sido silenciadas na história da literatura?”.

A diretoria da Fuvest selecionou obras escritas por Conceição Evaristo, Djaimilia Pereira de Almeida, Julia Lopes de Almeida, Lygia Fagundes Telles, Narcisa Amália, Nísia Floresta, Paulina Chiziane, Rachel de Queiroz e Sophia de Mello Breyner Andresen para compor a nova lista. “Quando decidimos por essa lista só de mulheres, tivemos que fazer uma pesquisa, buscar obras que mantivessem a qualidade literária que a lista sempre teve”, disse Monaco.

A mudança gerará um debate sobre o silenciamento dessas escritoras e permitirá aos professores do ensino médio trabalharem as características das escolas literárias da mesma forma que faziam com Machado de Assis, José de Alencar, e outros autoras que compunham a lista anterior. A partir do segundo ano do ensino médio, que é quando se aprende sobre o romantismo e o realismo, os alunos terão tempo de estudar as autoras da nova lista, representantes dessas escolas literárias. A intenção é fazer essa experiência de três anos “como uma medida de resgate”, para entender como as escolas vão trabalhar essas autoras. Depois disso, em 2029, o primeiro homem que retornará à lista será Machado de Assis.

As mudanças incluem também a preocupação de incluir autoras e autores negros na lista. São negras Paulina Chiziane, a brasileira Conceição Evaristo e a angolana Djaimilia Pereira de Almeida —todas contemporâneas e engajadas no debate antirracista. No vestibular de 2027, a leitura de “As Meninas”, de Lygia Fagundes Telles, é trocada por “A Paixão Segundo G.H.”, de Clarice Lispector, e o livro cobrado da poeta portuguesa Sophia de Mello Breyner Andresen muda de “O Cristo Cigano”, de 1961, para “Geografia”, de 1967. Para o ano seguinte, 2028, a obra da potiguar Nísia Floresta —autora feminista do século 19 ainda pouco conhecida, que vem saindo da invisibilidade histórica— muda de “Opúsculo Humanitário”, de 1853, para “Conselhos à Minha Filha”, de 1842. Já a da cearense Rachel de Queiroz deixa de ser “Caminho de Pedras”, de 1937, para “João Miguel”, publicada cinco anos antes.

A Fuvest, por motivos de evitar confusões para os vestibulandos do ano de 2022, decidiu antecipar a lista para 2026, já que tal mudança não foi anunciada. A mudança também visava contemplar os alunos que entrarão no primeiro ano do ensino médio em 2024. A nova lista para 2026 já estava pronta na ocasião da publicação do levantamento da Folha de São Paulo, mas a organização optou por não divulga-la.

As mudanças realizadas pela Fuvest na lista de leituras obrigatórias para o vestibular de 2025 mostra a preocupação da instituição em diversificar o conteúdo acadêmico obrigatório, focando na importância literária de autoras historicamente silenciadas e de origens étnicas diversas. A medida coloca a Fuvest na vanguarda das universidades do país, tornando-a pioneira no estímulo à leitura e discussão da literatura produzida por mulheres. Aguarda-se, ansiosamente, o retorno de Machado de Assis à lista de leituras obrigatórias em 2029.

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