Escravidão africana também ocorreu em Portugal, revelam escavações arqueológicas

As imagens mais comuns quando se pensa nos africanos escravizados geralmente estão relacionadas ao Brasil colonial, especialmente às plantações de cana-de-açúcar e aos engenhos. De fato, estudos recentes sugerem que cerca de 5,8 milhões de africanos foram trazidos da África para o Brasil entre os séculos XVI e XIX, representando quase metade do total de escravizados em toda a América. No entanto, a história da escravidão portuguesa não se limita apenas ao uso de mão de obra forçada nas colônias. Cada vez mais, os pesquisadores estão revelando a existência da escravidão africana também na própria metrópole portuguesa, durante o mesmo período.

Essa descoberta está sendo confirmada através de escavações arqueológicas. No mês passado, uma equipe liderada pelo arqueólogo Rui Gomes Coelho, da Universidade de Durham, encontrou vestígios de ocupações de africanos escravizados nos séculos XVI e XVII, na região do Monte do Vale de Lachique, ao sul de Lisboa. A presença desses vestígios indica que muitos africanos escravizados foram levados para o sul de Portugal para trabalhar na agricultura e em outras atividades, estabelecendo-se em lugares como o Monte.

Os objetos encontrados no local sugerem que a construção do Monte ocorreu no final do século XV ou início do século XVI. Além disso, a equipe de pesquisa descobriu que a área não havia sido ocupada permanentemente por mais de mil anos, desde a época romana. Isso indica que a região só foi realmente ocupada a partir do final do século XV, devido à chegada dos escravizados africanos. É importante ressaltar que esse período foi marcado por um intenso tráfico de africanos escravizados para Portugal, principalmente da África Ocidental e Central.

Esses vestígios arqueológicos confirmam os relatos documentais que mencionam a limpeza de áreas próximas para o cultivo, graças ao trabalho dos escravizados. Essa descoberta nos faz refletir sobre o que estava acontecendo na mesma época em outras partes do Atlântico, como nas ilhas atlânticas e no Brasil. Estamos diante de um fenômeno de colonização dentro da própria Europa.

Vale ressaltar que essa não é a primeira vez que vestígios de escravos africanos são encontrados em Portugal. Em 2009, outro grupo de pesquisadores descobriu 158 esqueletos de africanos na cidade de Lagos. Estudos realizados na época constataram que esses indivíduos sofriam de desnutrição, lesões e abusos físicos graves.

A história das populações escravizadas e de seus descendentes em Portugal ainda é pouco conhecida pela maioria das pessoas. A escravidão promovida pelos portugueses tem sido representada como algo distante, que foi assimilado ou desapareceu completamente. No entanto, a arqueologia tem o potencial de nos aproximar das experiências dessas comunidades através de objetos do cotidiano, que nos permitem imaginar a vida daqueles que viveram há centenas de anos.

As descobertas arqueológicas são uma contribuição importante para complementar as pesquisas históricas sobre a escravidão em Portugal. Elas mostram que a escravidão existia não apenas nas colônias, mas também na própria metrópole. Essa história da escravidão portuguesa remonta a períodos anteriores ao chamado “tráfico negreiro” e está relacionada tanto à exploração econômica quanto às guerras contra os árabes.

No entanto, é importante ressaltar que há diferenças significativas entre a escravidão em Portugal e no Brasil colonial. Enquanto o Brasil teve um sistema escravista estrutural, em que a escravidão era necessária para a reprodução social e econômica da classe dominante, em Portugal a escravidão era mais doméstica e não estava ligada à produção agrícola em grande escala. Os escravizados eram utilizados em diversas atividades econômicas, desde a agricultura até o comércio e o trabalho doméstico.

A descoberta desses vestígios arqueológicos em Portugal reforça a importância de se estudar a história da escravidão europeia e suas conexões com outras partes do mundo. É necessário preencher as lacunas na narrativa histórica para compreendermos de forma mais completa e precisa esse capítulo sombrio de nossa história comum.

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