Ao longo das últimas duas décadas, o princípio de proteção de trabalhadores e instalações de saúde tem se desgastado, e os incidentes mais perigosos agora são perpetrados por atores estatais. Michiel Hofman, coordenador operacional de Médicos Sem Fronteiras no Sudão e veterano de entrega de ajuda médica em áreas de conflito como Afeganistão, Iêmen e Síria, declara que são os Estados que assinaram as Convenções de Genebra os principais responsáveis por esses ataques, uma vez que possuem um poder militar significativo, especialmente no que diz respeito a ataques aéreos.
No entanto, mesmo com o Artigo 18 da Primeira Convenção de Genebra estipulando que os hospitais civis não podem jamais ser alvos de ataques e devem sempre ser respeitados e protegidos pelas partes em conflito, Hofman destaca que a disposição dos Estados de ultrapassar os limites do direito humanitário internacional parece ter se intensificado nos últimos anos.
Leonard Rubenstein, especialista em saúde e direitos humanos da Universidade Johns Hopkins e presidente da Coalizão de Proteção à Saúde em Conflito, que acompanha ataques à saúde em todo o mundo, ressalta que os ataques russos na Ucrânia têm sido particularmente preocupantes. Desde o início da guerra há 21 meses, mais de 1.100 ataques a instalações e profissionais de saúde foram realizados pela Rússia, evidenciando um padrão de ataques deliberados a hospitais e áreas próximas a eles, o que configura crimes de guerra.
O problema é que, embora haja um amplo acordo na comunidade internacional de que ataques à saúde são inaceitáveis, poucas medidas efetivas têm sido tomadas pelos governos para impedir esses ataques e responsabilizar os responsáveis por eles. Rubenstein destaca que a maioria dos atores estatais e paramilitares que atacaram locais médicos não enfrentou processos por órgãos internacionais.
A falta de punição e responsabilização por esses crimes de guerra contribui para a escalada da violência. Isso coloca em risco não apenas os feridos em combate, mas também todos aqueles que necessitam de atendimento médico rotineiro. A destruição de instalações médicas na Ucrânia, por exemplo, resultou em uma grande perda de capacidade de atendimento para a população, além de desencadear uma queda na qualidade de vida e no acesso a serviços de saúde.
No Sudão, a situação é ainda mais alarmante, com a Organização Mundial da Saúde relatando que 70% das instalações médicas do país estão sem funcionar. Isso tem causado mortes tanto devido à negligência médica quanto por ferimentos violentos. A situação é igualmente crítica em Mianmar, onde mais de 800 profissionais de saúde foram presos desde o golpe militar em 2021.
Diante dessa realidade sombria, é importante ressaltar a necessidade urgente de ação por parte da comunidade internacional para proteger os profissionais de saúde e as instalações médicas em áreas de conflito. É imperativo que os governos se comprometam verdadeiramente a fazer o necessário para impedir esses ataques e que os responsáveis sejam responsabilizados por seus crimes. Apenas dessa forma será possível garantir o direito universal à assistência médica e a segurança de profissionais de saúde e pacientes em zonas de conflito.