Repórter São Paulo – SP – Brasil

A volta às origens: Maria reencontra pilhas de papéis e decide escrever uma história que estava adormecida há mais de 30 anos

A escritora Maria adentra o apartamento da sua falecida tia e se depara com montanhas de papéis espalhados por todo o local. Essa cena marca o início de uma jornada rumo à escrita de uma história que Maria havia abandonado há mais de três décadas. A infância da autora já revelava seu interesse por pequenos objetos do quotidiano, como uma xícara, um adesivo, que sempre a impulsionaram a compilar e narrar seus significados.

Nascida no início do século 20 na Rússia, Maria parecia ter um dom para contar as histórias que muitas vezes eram esquecidas pela humanidade. A autora, por sua vez, via na sua história familiar a essência que não podia ser ignorada pela sociedade.

Assim, surge a matrioska mnemônica, que dá forma ao livro “Em Memória da Memória”, no qual Maria expõe de forma honesta suas questões sobre a ética envolvida nessa tarefa de rememorar. A obra é construída sobre as mulheres de sua família, desde sua bisavó até sua mãe, e finalmente ela mesma.

A bisavó de Maria foi uma personagem lendária, tendo sido presa na época dos czares, formado-se em medicina, morado em Paris e cuidado de crianças soviéticas. Essa história, impensável para a época em que viveu, é parte da memória construída por Maria, que encontra nos objetos e nos enunciados a matéria-prima para sua narrativa.

O romance de Maria não busca um sentido final, mas se debruça sobre os espectros da realidade e as fronteiras do gênero narrativo, lembrando os tempos áureos do romance como gênero literário. A memória é desconstruída diante de fragmentos e equívocos, questionando a solidez do conceito tradicional de memória.

Dessa forma, a obra de Maria Stepánova refresca a questão da memória na literatura, deslocando o lugar do arquivo e explorando os trânsitos entre o público e o privado, entre a arqueologia e a psicanálise. O título “Em Memória da Memória” sugere tanto uma despedida da ideia convencional de memória quanto um convite ao trabalho de esquecimento, essencial em cada mínima lembrança.

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